Há uma década, o local em que os antigos moradores utilizavam como garagem tornou-se recinto privilegiado graças a sua nova moradora, a artista plástica Marta Emília. A 2ª edição da série Ateliê adentra neste espaço concreto e também de representação para conhecer o processo criativo, inspiração, as obras e os novos projetos da alagoana, que em 2017 lançou e deu o nome de “Ipioca” a sua primeira linha de porcelanas, e também inaugurou a charmosa Loja da Varanda com produtos exclusivos.



Para entender como Marta Emília chegou à porcelana, sua mais recente descoberta, vamos primeiro voltar a 1995, quando ela lançou-se artista plástica. E desde então, tem estudado e testado novos suportes e técnicas. Formada em Letras pelo Cesmac, com Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado em Literatura, pela Universidade Federal de Alagoas, a alagoana apostou inicialmente no abstracionismo das formas geométricas, que deram origem a padrões psicodélicos, ilusões de ótica e texturas. As cores vibrantes e telas bidimensionais são marcas do seu trabalho.
“No começo da minha carreira eu estava muito inspirada e apaixonada pela arte concreta, vendo muita coisa do concretismo da década de 50,“ lembra. “Mas, do Neoconcretismo também tem uma parte das minhas pesquisas muito importantes. O poema-objeto que aparece oficialmente na primeira arte concreta de 1956-1957, com Wlademir Dias Pino. Tinham vários artistas plásticos que trabalhavam essa questão do neoconcreto do objeto artístico, tomar o espaço e ser tomado pelo corpo humano. A coisa do toque, da funcionalidade do objeto.”




Inspirada no neoconcretismo, Marta Emília iniciou estudo com tecidos e acrílicos, a tridimensionalidade das cores, fazendo uma relação entre o recorte dos painéis com todas as instalações.
“Quando eu fazia exposições tinham painéis, tinham os quadros, mas sempre tinha a tentativa de fazer disso e propor algo que fosse tridimensional. Nesta fase, eu já estava mais no mundo dos neoconcretos da década de 1960, das experimentações com o espaço”.
Também ganhou grande destaque nas pesquisas da artista, o pintor francês Henri Matisse, sobretudo pelo uso da cor como destaque principal de suas obras. “Matisse está em tudo, na coisa do recortar o papel, como recortar a tinta.” Marta lembra ainda o artista venezuelano Rafael Soto.



Perguntada sobre a influência que Alagoas exerce sobre sua obra, Emília ressalta as cores como principal referência.
“Não tem como não estar em mim. As cores estão coladas em mim de uma forma que eu não consigo me expressar de outro jeito, será que isso tem haver com o local onde eu vivo? Acho que sim! Porque é muita cor, muita luz! As cores são vibrantes, a luz do sol do meio dia, no final de tarde. A luz que muda. É pelas cores que eu me expresso. Elas denunciam o lugar onde vivo”.
Emília lembra ainda a influência que o jardim da sua residência tem sobre sua obra. “Eu mergulhei em um jardim e não consigo mais sair dele. E vindo para essa casa também influenciou. A coisa das flores, a mudança das estações, e a mangueira que explode de manga rosa. Na primavera o chão fica lilás, setembro tem muitas flores. Tem vários jasmins de Madagascar. E aí eu vivo essas folhas. Eu vivo em uma casa onde tem jardim e eu acho que mergulhei nesse jardim e ainda estou nele.
Exposições individuais
Em sua primeira exposição individual Recorte – a cor entre as lâminas (2006), realizada no Sesc Centro de Maceió, Emília apresentou ao público seu processo de “Pintura Recortada” em 10 painéis bidimensionais de colagens a partir de recortes de papéis pintados com tinta acrílica, colados sobre o MDF.
A segunda individual aconteceu na cidade de Porto, em Portugal, em 2011. Em “Marta Emília – Seria Pintura, se não fosse recorte”, ela expôs dois painéis de 200 x 100 cm e oito quadros de 100 x 80 cm, uma grande instalação interativa e um painel em que o público interagiu por meio de um trabalho work in progress.

Já em sua terceira exposição individual – “Plastiche”, realizada na Pinacoteca Universitária da UFAL, a artista apresentou ao público instalações tridimensionais dialogando com seus painéis bidimensionais. Ela utilizou objetos de festa em acrílico coloridos na criação de 60 esculturas. Citações e trechos de letras de músicas brasileiras, principalmente da época do Tropicalismo, também fizeram parte da mostra.
A alagoana também já expôs individualmente no Espaço Cultural Linda Mascarenhas com a instalação Marta Emília – uma viagem por um mundo de formas simples e de nuances fortes, dentro do projeto Linda de Música e Artes Visuais. E apresentou seu jardim elétrico construído em telas com colagem e em painéis com objetos acrílicos, na exposição Acrilírika, na Casa do Patrimônio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Maceió (IPHAN-AL). A artista participou de mais de uma dezena de exposições coletivas sendo a última – Arte no Prato, no Galpão 422.
Porcelana
Desde que se lançou como artista, Emília tem promovido experiências em novos suportes e técnicas, com diferentes matérias-primas, num estilo que transita entre o orgânico e o racional. “Tem sempre outro material na parada, mas eu sempre pensei em levar essas imagens para um produto funcional do design e que tivesse funcionalidade. E a função, claro tinha que ser doméstica porque eu amo lamber casa”, brinca. A princípio, o tecido foi à matéria-prima eleita, mas ela logo mudou de ideia por conta das dificuldades encontradas, tanto de prática como logística.
Em 2017, a artista deu um tempo nos painéis e passou a se dedicar a pintura na porcelana. Teve aulas com a professora Lídia Gomes durante 06 meses, com quem estudou técnicas e segredos da pintura antiga à mão. Aprendeu a fazer a mistura de tintas e a manusear corretamente os pincéis. Depois de conhecer o trabalho dos recortes de Emília, a professora Lídia sugeriu que ela utilizasse o decalque na porcelana, numa outra técnica.
Apesar das dificuldades para encontrar a matéria-prima para suas criações, que ela só consegue adquirir na internet ou quando viaja para São Paulo e Curitiba, a artista está bastante envolvida e pensa em fazer peças maiores, vem fazendo experimentos com o cobre e estuda fazer um mix de tinta da porcelana com o decalque. O processo é demorado e requer muita atenção. As queimas duram em média quatro horas.
Inspirada nas cores do mar, praia e algas, nas cores verde, azul e laranja, Marta Emília lançou em 2017 sua primeira linha de porcelana – “Ipioca”. Já conta com uma produção significativa, inclusive com novas linhas. Para comercializar seu trabalho, em novembro do mesmo ano, ela abriu a Loja da Varanda, aberta durante os finais de semana com produtos exclusivos.
Continuo com as mesmas referências. Mas, sem esquecer as pessoas que estão trabalhando. Eu sou invadida por várias referências. Estou muito inspirada pelas redes sociais, por todo esse mundo que existe de gente criativa fazendo milhões de coisas interessantes. Eu sigo um monte de gente criativa pintando porcelana, fazendo cerâmica até mesmo nas ilustrações, eu fui me inspirar nas ilustrações gráficas, estou muito imersa nisso. Mas, eu acho que no fundo a coisa mais importante de tudo é que eu estou fazendo algo que fala sobre mim também, que mostra muito de mim. Mostra quem eu sou. Tento ser honesta naquilo que eu faço e ser o mais eu possível.
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