Uma imagem vale mais que mil palavras. Esse ditado fruto da sabedoria popular se vale muito do impacto que o visual atinge em nossos olhos e nossas mentes. A 4ª edição do Dossiê Fotografia Alagoana destaca o trabalho do jornalista João Dionísio e da estudante de jornalismo Cláudia Leite, ambos com abordagem documental e antropológica.
João Dionísio
A primeira presença da fotografia na vida do jornalista João Dionísio guardada em sua memória afetiva é a da câmera de seu pai, que ele gostava de brincar quando era criança. “Uma memória muito viva na minha cabeça é de uma foto que tirei dos meus avós quando eu era bem pequeno, uns 4 ou 5 anos. Isso porque é a única fotografia que eles têm e eu cortei as suas cabeças na foto”, lembra sorrindo.
Durante a adolescência, João afirma que a fotografia não chamou tanto a sua atenção. “Mas quando fui fazer jornalismo acho que essas memórias afetivas todas reacenderam”, revela. Na universidade, foi aluno de Fotojornalismo com a antropóloga Rachel Rocha, e Celso Brandão, ícone da fotografia alagoana. “Eles dois me incentivavam muito e isso permeou meu caminho”.



Durante o dia a dia nas redações, sempre teve a atenção voltada para os fotojornalistas com quem trabalhava. Quando as câmeras começaram a chegar aos celulares, João enxergou maiores possibilidades para exercitar sua veia fotográfica. “Com as redes sociais eu comecei a postar algumas fotos que tirava, e como eu tinha essa memória de fotografia, acho que elas se destacavam e o pessoal começou a gostar. E o elogio é o alimento da alma, né?”, brinca. “Então tudo isso foi aumentando o desejo de praticar a fotografia”.
Depois de alguns anos, ele resolveu comprar uma máquina e se surpreendeu com as diferenças que encontrou entre o analógico e o digital. Começou a estudar, primeiro sozinho, depois num curso básico. “Eu tenho uma fissura pela técnica, apesar de achar que a foto não é só técnica. A minha fotografia é muito mais intuitiva e objetiva, sem muitas firulas. E carrega muito desse lado antropológico que estudei na faculdade”. A partir daí, não parou mais de estudar e praticar, e atualmente está finalizando uma especialização em fotografia.




“Uma vez o Jorge Vieira disse que a minha fotografia era escura, parecida com a dele. Nunca tinha parado para pensar, mas vi que ele tinha razão. Mesmo eu sabendo que ele não disse como um defeito, agora estou usando mais o diafragma para dar uma clareada nas minhas fotos”, afirma. Segundo ele, mexer com a velocidade da máquina é uma das técnicas preferidas, “apesar de não usar muito”.
Com isso, João Dionísio vem há três anos pensando e se movimentando para exercitar seu olhar. “Ultimamente, venho trabalhando em dois projetos – um relacionado a cemitérios e toda a atmosfera de sensações que esse ambiente desperta; e outro na dualidade que sempre percebi aqui em Maceió entre o vermelho e o azul”, diz. Contudo, segundo ele, o que ele mais gosta de retratar em suas imagens é gente.



“Gosto muito de fotografias do corpo, tanto masculino quanto feminino. Inclusive, tenho um trabalho com pedaços do corpo humano, com enquadramentos diferentes que já me disseram que era uma marca minha”.
As inspirações para seu trabalho vêm muito dos fotógrafos que conheceu. “Eu descobri como o Celso (Brandão) me influenciou quando eu fui analisar a obra dele para o TCC da minha especialização”, comenta. “O Jorge Vieira faz um trabalho bem legal, a Cláudia Leite é uma menina nova, que tem um trabalho fantástico com fotografia de celular, onde já se vê uma assinatura”.
Uma das inquietações de João é como esse trabalho dos novos fotógrafos que estão surgindo em Alagoas – “no qual, eu me incluo” – pode chegar ao público da maneira que merece, num lugar em que possa ser visto. “É uma exposição, é um livro? Como a gente vai fazer pra que esse trabalho chegue, pra que essa cena apareça? São situações que, por enquanto, eu não consigo propor uma solução”.
Em sua curta trajetória enquanto fotógrafo, João já participou de três exposições. A mais recente foi a Horizontes, que reuniu obras de novos artistas e ficou em cartaz na Pinacoteca Universitária. “Participei também de uma exposição da Agência Fragma no Café da Linda lá no Teatro Deodoro e outra bem legal que foi retratando a Lambe Sujo, uma manifestação folclórica do interior de Sergipe”. As fotos estão expostas há mais de um ano nos viadutos do Farol e de Mangabeiras, em Maceió.
Para ele, a cena fotográfica alagoana está se desenvolvendo e os grupos como Perambular Fotográfico, o Coletivo Fotografe Massayó, a agência de imagens Fragma e o dossiê Fotografia Alagoana do Aqui Acolá são instrumentos importantes dessa construção. “Tudo isso vem pra somar para o fortalecimento da fotografia alagoana e que, lá na frente, iremos colher muitos mais frutos do que os que já estão surgindo”.
Cláudia Leite
Com pouco mais de um ano de atuação no meio fotográfico, a alagoana Cláudia Leite vem se destacando através da poesia e das histórias contadas através de suas imagens. Em 2016 decidiu fazer Jornalismo justamente por causa do Fotojornalismo, ao mesmo tempo em que começou a procurar cursos para se aprofundar ainda mais na fotografia, área que já lhe despertava o interesse desde muito tempo.
“A maioria dos cursos que encontrei abordava a fotografia comercial, que eu não me interessava. Aí eu vi um cartaz do Jorge Vieira que estava ministrando um curso sobre o desenvolvimento do olhar e a composição da imagem. Achei interessante e ele foi meu primeiro professor. Eu comecei a fotografar a partir dele”, comenta. “Também fiz um curso na Escola Criattiva que me ajudou muito com as técnicas e o equipamento”.
Após o primeiro contato, os horizontes se abriram como uma grande angular e seu foco passou a se direcionar para o estilos que mais gostava – a fotografia documental e de rua.
“Gosto de contar histórias com as imagens, de fotografar coisas que me inquietam. Para mim a fotografia é a sua visão de mundo, o que você acha sobre aquele momento”, revela.




Com 26 anos, ela conta que aprende muito com os colegas fotógrafos, principalmente nos encontros e nos grupos que participa. “Como eu tenho pouco tempo de imersão nesse mundo, e até por sempre ser a mais nova quando o pessoal se encontra, eu absorvo muita coisa deles”.
O movimento é um dos elementos que ela busca capturar em seus cliques, principalmente nas fotografias de rua. “Gosto sempre de compor a cena, de fotos bem preenchidas e de fotos que contem histórias de pessoas, mesmo que seja uma pequena história”.
Cláudia vem desenvolvendo um trabalho chamado Integrados, no qual ela capta momentos vistos e vividos por ela no Terminal de Ônibus do Benedito Bentes, em Maceió. “A ideia é mostrar a relação das pessoas com o transporte público e a relação entre elas, também”. Segundo ela, o projeto nasceu a partir de uma mudança radical em sua vida. “Trabalhei 10 anos em banco e resolvi que não queria mais isso e iria fazer aquilo que eu gosto. Vendi carro, comprei minha máquina e fui fazer Jornalismo”. Foi observando o comportamento quase automático das pessoas no ato tão banal e cotidiano de sair de casa e utilizar o transporte público que ela teve a ideia de fotografar e registrar o que via. O fotógrafo Diego Prado também faz parte do projeto.



Já o Mercado Vivo é um projeto desenvolvido para dar mais visibilidade ao Mercado de Artesanato de Maceió. “É um projeto de extensão que participo pela Universidade e a ideia é retratar o cotidiano e mostrar que o mercado ainda está vivo, mesmo que tenha sido esquecido por muitas pessoas”. No projeto, foi criada toda a identidade visual do Mercado, assim como um Instagram e Facebook. “Teve uma exposição na Bienal agora com algumas das imagens, e teremos outra oficial finalizando o projeto”.
Outro trabalho é a série “Retratos de Alagoas”, construído a partir das expedições “Zerando Alagoas”, projeto que tem como propósito conhecer os municípios e fortalecer a identidade alagoana. “Eu sou bem bairrista e apaixonada pelo meu estado. Comecei a procurar lugares que não fizessem parte do roteiro turístico tradicional e o objetivo do projeto é mostrar esses lugares através da fotografia vista por outras pessoas também”. Quem quiser participar, basta tirar uma foto de um local que comungue da proposta e postar com a #ZerandoAlagoas.


Foi através desse projeto que Cláudia teve a ideia de fazer expedições fotográficas. “Chamei o Jorge para uma parceria e já fizemos quatro expedições com o intuito de fortalecer a identidade do alagoano”, comenta. “Isso me abriu muito para o lado antropológico, de conhecer as pessoas, conversar com elas e entender a sua história pra poder contá-la através do meu olhar”.
Cláudia também se interessa pela antropologia dentro da fotografia e entre suas inspirações estão as fotógrafas Vivian Maier, Cláudia Andujar e a alagoana Luna Gavazza. “Eu gosto muito de procurar inspirações em mulheres, tanto por eu ser mulher quanto pelo fato de que no universo fotográfico não há muitas”. Ela também destaca os grandes nomes como Cartier-Bresson e Sebastião Salgado. “Admiro bastante o Thiago Sobral e o Jorge Vieira, são trabalhos bem diferentes. O próprio João Dionísio tem um estilo bem definido – são as fotografias dionisianas”, brinca. “Os enquadramentos são bem diferentes e ele está surpreendendo muita gente com a estética e o estilo dele”.
As fotos de Cláudia Leite já ficaram expostas no Espaço Cultural Arte Pajuçara, numa exposição referente à Lavagem da Igreja do Bonfim que aconteceu em Maceió em 2016. E também foi classificada para o concurso do Instituto do Meio Ambiente, no qual sua fotografia foi contemplada na publicação do livro.
Para o ano que vem, ela pretende lançar um site próprio para divulgar seus trabalhos e seu portfólio. “Também pretendo participar mais de editais, de concursos e exposições. Além de continuar nos projetos, conhecer pessoas, viajar e fotografar, que é o que eu amo”.
*Foto da capa: “Retrato”, de João Dionisio
Confira também:
1ª edição – A poesia das formas em preto e branco de Luísa Patury e Tony Admond
2ª edição – A simbiose fotográfica de Jorge Vieira e Thiago Sobral
3ª edição – João Facchinetti e Alberto Lima – Multiplicando a fotografia em Alagoas
Parabenizo o AquiAcolá por esta excelente série que, ao dar visibilidade à fotografia alagoana, confere-lhe o valor que tem feito por merecer.