Trabalhos documentais, fotografia de rua, engajamento pela disseminação da fotografia em Maceió e aliada a tudo isso parceria e amizade. Os fotógrafos Jorge Vieira e Thiago Sobral comungam de tudo isso e muito mais. Os trabalhos dos dois (tanto individuais como através do Coletivo Fotografe Massayó) nunca para e o Aqui Acolá conta um pouco da história desses dois criativos e atuantes nomes da fotografia alagoana.
Jorge Vieira
O interesse pela fotografia começou a entrar em foco na vida de Jorge por volta de 1991. O mundo artístico já era presente em seu dia a dia através do irmão escultor e da mãe pintora, o que o levou a iniciar com o desenho. Em 1987 viajou para Brasília para o Festival de Arte e Cultura Latinoamericana e tomou contato a pirogravura, um estilo de desenho que utiliza o fogo para dar forma aos pensamentos.
“A pirogravura onde o desenho sempre ficava com duas cores – o preto da queima e a cor da superfície – me chamou a atenção para a fotografia, na época a gente via muito em preto e branco”, diz ele. Contudo, o interesse foi bastante fugaz e o artesanato voltou a ser o centro de suas criações, desta vez com o bambu. “Fiz bioconstruções com bambu e trabalhei muito, não só em Maceió como em outras cidades do Brasil e terminei deixando fotografia bem na gaveta”.
O ponto de fuga apareceu mesmo há cerca de três anos. Jorge recomeçou os estudos, entusiasmado com a atual formatação digital da imagem fotográfica e hoje pratica diariamente. “Eu sou meio ousado com relação a resultados, ao mesmo tempo em que me exijo muito”, revela. “Pouco tempo depois de começar a praticar e estudar, meu grande amigo Paulo Caldas me fez um convite-desafio de fazer um trabalho sobre a Lagoa Mundaú, no início de 2015”.
A exposição misturando as fotos de Jorge e os desenhos de Paulo, chamada “Lagoa o que faço com tudo isso?” teve uma ótima repercussão e foi a mostra ligada à Secretaria Estadual de Cultura mais visitada nos espaços públicos daquele ano. “Isso me entusiasmou muito e de lá pra cá não parei mais”.



Jorge tem uma visão de fotografia mais centrada no olhar do que na técnica. “Minha ideia não é nada comercial, é muito mais baseada na bagagem sócio-política que a gente tem de leitura de mundo, de usar a fotografia como uma ferramenta para que as pessoas se vejam e percebam o mundo”, afirma. A dinâmica humana e da sociedade é o que Jorge costuma e mais gosta de apontar em suas lentes.
“Como gosto muito de fotografar gente, eu privilegio sempre a espontaneidade”, comenta. “Mesmos nos trabalhos de ensaio dirigido, onde existe um modelo, eu tento buscar isso”. Aliado a esse elemento, o movimento é bastante presente nos trabalhos de Jorge. Ele busca, a cada foto, um ângulo diferente, um elemento novo, mesmo nas cenas e imagens mais triviais, como uma poética visual.
Antes dos fotógrafos, Vieira se inspira no trabalho de dois pintores para compor suas imagens. “A pintura de Caravaggio me encanta profundamente. A dramaticidade da luz, o jogo de claro e escuro, os ambientes, a paleta de cores. Eu revisito o trabalho dele com muita freqüência. O segundo pintor é Rembrandt”. O grande mestre da foto Cartier-Bresson também é bastante influenciador de sua fotografia. “Tem ainda o brasileiro Miguel Rio Branco, que inclusive utilizo muito nos workshops que eu faço. Pra mim existe uma ponte entre a luz dele e a de Caravaggio”.
Segundo Jorge Vieira, Alagoas precisa dar mais visibilidade estratégica aos artistas da foto, os quais detêm grande qualidade e repertório. “Posso citar alguns que acompanho e troco idéias constantemente como Ailton Cruz, Thiago Sobral (meu parceiro, inclusive, em algumas ações), Roberto Fernandes, João Dionísio, Felipe Brasil e o Celso Brandão que é, sem dúvida, um ícone pra gente, principalmente no lado documental”.
Logo após a primeira exposição, ainda em 2015, ele passou três meses visitando a Serra da Barriga, em União dos Palmares para captar a negritude em suas imagens. O resultado foi uma narrativa documental chamada “Palmares e Viveres”. No ano seguinte, realizou um trabalho em homenagem à mulher alagoana; e a exposição “Rio afogado”, novamente em parceria com o poeta e pintor Paulo Caldas, retratando a tristeza e beleza do Riacho Salgadinho.
“Logo depois tive uma grata oportunidade de fazer uma expedição com mais quatro fotógrafos daqui de Alagoas (Thiago Sobral, Alberto Lima, Alexandre Carvalho e Ricardo Maia). Fomos ao recôncavo baiano, passamos pela Chapada Diamantina, e culminamos lá em Ouro Preto e Mariana e nosso objetivo final foi a cobertura fotográfica da região atingida pela lama da mineradora Samarco em Bento Rodrigues”.
Inquieto e sempre pensando no próximo passo, Jorge também ministra workshops, cursos e expedições na área da fotografia frequentemente.
“O próximo projeto, em parceria com a fotógrafa Cláudia Leite, é a abertura de uma agência de imagens chamada Fragma. Vamos tanto produzir material de fotografia e audiovisual, e incorporar o conteúdo que venho fazendo de aulas e workshops”.




Vieira também é integrante do Coletivo Fotografe Massayó e outro grande plano é a organização de um grande festival de fotografia que será realizado em 2018. “O Massayó Festival de Fotografia vai ser em abril e a ideia é mostrar tanto para nós alagoanos o que nós estamos produzindo, como também dar um empurrãozinho para inserir a fotografia alagoana no cenário nacional”. O objetivo é ainda incentivar os interessados e já atuantes na área através de palestras, workshops, oficinas, debates, mesas-redondas e exposições.
Em meio a tantas atividades, Jorge Vieira ainda está construindo seu site e planeja muito em breve lançar um blog compartilhando seus estudos e estimulando o debate sobre o tema. Para ele, trabalhar com a câmera é um estudo constante e permanente de atualizar o olhar.
“A fotografia não muda o mundo, mas ela pode mudar a visão que as pessoas têm do mundo”.

Thiago Sobral
A formação em Arquitetura foi fator fundamental para a entrada definitiva do maceioense Thiago Sobral no universo da fotografia. Em 2013 numa viagem a São Paulo, comprou a primeira câmera e já saiu da loja experimentando e exercitando seu olhar. “Assim que saí na Avenida Paulista estava passando uma Marcha da Maconha e fui atrás registrando, meio que como fotojornalista”, lembra. “Vi de cara a completa diferença para as câmeras compactas que usava e fui me apaixonando cada vez mais”.
Desde então, ele vem aprimorando os conhecimentos e pondo-os em prática nos projetos que realiza. Em 2014, resolveu juntar as duas atividades e voltou à capital paulista para fazer um curso de Fotografia de Arquitetura, estilo o qual ele exercita bastante. “Em seguida entrei no grupo Perambular Fotográfico e a convivência com outros fotógrafos me deu mais fôlego ainda”.


Perambular Fotográfico é um grupo virtual de fotógrafos amadores e profissionais que se encontram espontânea e ocasionalmente. Dessas vivências já nasceram várias exposições, palestras, oficina e workshops. Com o grupo, Thiago participou de algumas mostras coletivas e em 2016 organizou sua primeira exposição individual. “Estava catalogando algumas obras de Oscar Niemeyer digitalmente e consegui realizar esse trabalho chamado O que teria acontecido a Niemeyer, que ficou exposto lá no Parque Shopping”.
Completamente envolvido no mundo visual, em meio aos cursos, viagens, estudos e convivências com outros amantes da fotografia, a afinidade e a amizade com Jorge Vieira acabaram resultando no workshop Simbiose Fotográfica. “Ano passado fizemos quatro eventos e foi muito interessante, terminamos com um workshop de dois dias sobre fotografia de rua”, comenta. “Esse ano fizemos um sobre fotografia artística lá no Galpão 422, em Jaraguá”.
Um episódio marcante em sua trajetória também ocorreu em 2016 quando foi selecionado para participar de uma residência promovida pela histórica agência francesa Magnum em Ouro Preto-MG. “Passei uma semana junto com Chien-Chi Chang, fotógrafo de Taiwan e minha cabeça pirou completamente”, revela. “Mudei totalmente a minha forma de pensar fotografia e acabei fazendo muito mais coisas”.
A fotografia de arquitetura e a artística são duas grandes vias do trabalho de Thiago Sobral, que já vem captando olhares e causando admiração em outros lugares do Brasil e do mundo. Suas imagens já foram expostas fora de Alagoas, junto a uma galeria de arte em São Paulo que o representa, bem como outra galeria em Lousã, Portugal, que vem expondo suas fotos pela Europa. “Este ano meus trabalhos já rodaram em Porto, Toulouse, Madri e no Carrossel do Louvre, em Paris”.
O lado documental também é um elemento forte de suas imagens. “Tento contar histórias e narrativas, principalmente através da fotografia de rua, uma grande paixão minha”. A grande maioria dos seus trabalhos é feita através do cotidiano das cidades e suas situações corriqueiras. “Acho que pelo fato da minha formação em Arquitetura, uma característica presente nas minhas imagens é a simetria”, revela.
Thiago tem como referências e inspirações desde Sebastião Salgado, grande ícone da fotografia brasileira e mundial, o paulista Cristiano Mascaro na linha de arquitetura, Steve McCurry responsável pela famosa foto da menina afegã, e Chien-Chi Chang, o qual desenvolveu uma admiração e contato pessoal. “Em Alagoas têm fotógrafos muito bons, a maioria deles são meus amigos. Gosto muito do trabalho do Roberto Fernandes, muito coeso e formado. João Facchinetti tem fotos maravilhosas. Jorge Vieira tem um trabalho muito bom, que eu sempre acompanho e participo. Joaquim Prado, Gustavo Mata, enfim, são muitos”.
Dentre seus trabalhos, Brasilidades é uma série que Thiago vem desenvolvendo há algum tempo e possui algumas fotos rodando a Europa, nas quais as cores das imagens remetem à bandeira do Brasil.
“São jogos que faço com as imagens pegando o verde, o amarelo, o azul e o branco. É um trabalho documental e em todo lugar que vou busco algo que possa se encaixar nesse conceito”.




Thiago também fez a direção do documentário resultado da expedição fotográfica à cidade de Mariana, na época da tragédia ambiental, apresentado no Teatro Deodoro. “Também tenho um trabalho de mosaicos com tampas de bueiros, que foi muito bem aceito pela Magnum e estou com algumas ideias e propostas para difundi-lo no ano que vem”.
Outro grande projeto do artista no lado documental será feito nas praias do litoral norte. “A idéia é tentar buscar de maneira engraçada, com cores fortes e alegres aquela farofada que a gente sempre vê”, brinca. “Quero fazer ainda as festas interessantes e diferentes da América Latina”.
Participante ativo do Coletivo Fotografe Massayó, Thiago propôs a realização de um festival de fotografia na cidade, que foi aceita e apoiada na hora pelo amigo Jorge Vieira. “Estamos difundindo isso com várias reuniões e estamos com o projeto quase pronto, alguns nomes praticamente definidos e o intuito é mexer com o cenário da fotografia aqui”.

Thiago afirma que hoje, seus planos incluem a realização de trabalhos documentais tendo Alagoas como cenário e mote principal.
“Alagoas é um estado muito rico nesse quesito. Estou buscando muito isso, essa questão cultural, artística. Levar as riquezas de Alagoas pra fora é um dos meus grandes objetivos”, afirma. “Minha filosofia de vida é de buscar sempre fazer as coisas que eu amo e a fotografia é algo que a gente faz e não cansa”.
Dia 26 de outubro, Sobral embarca para Bolívia para iniciar um projeto junto com o fotógrafo Roberto Fernandes sobre festas populares na América Latina. “ serão 15 dias de incursão pela Bolívia, passando por cidades pequenas até chegarmos em La Paz, onde faremos uma cobertura da “Festividad de las Ñatitas”, uma festa religiosa e cultural boliviana muito forte.
Jorge Vieira
Facebook: http://facebook.com/agenciafragma
Instagram: @jorgevieiraportfolio e @jorgevieiraphotos
Thiago Sobral
Instagram: @thiagoribeirosobral
Site: http://cargocollective.com/thiagosobral
Confira também a primeira edição do Dossiê Fotografia Alagoana