Música

MusicAL: As reflexões alagoanas e nacionais em forma de música de Eduardo Proffa e os Zélementos 

*Nicollas Serafim 

A construção da identidade musical de Eduardo Proffa e os Zélementos tem como estrutura fundamental as batidas e sonoridades fortes da música nordestina, reforçada com elementos diversificados da cultura pop brasileira e mundial como o rock, adornada e arquitetada com a poética cortante de Proffa em letras reflexivas, sociais e gritadas. A longa trajetória de Eduardo Proffa nas artes e o lançamento do álbum gravado ao vivo “Reflexões Nacionais” são os temas da 3ª edição da coluna MusicAL. 

O projeto teve seu pontapé inicial em 2020, na ocasião do aniversário de 55 anos de Eduardo, comemorado com a produção do show e do CD Cinco Ponto Cinco, no Bar e Restaurante Zeppelin e lançado em uma live durante a pandemia. Atualmente, o grupo é formado por: Eduardo Proffa (voz); Arnaud Borges (violão e vocal); Gama Júnior (flauta, vocais e efeitos); Thiago Trindade (guitarra); Ykson Nascimento (contrabaixo); e Leo Costa (bateria). Proffa lembra que o surgimento do grupo partiu de conversas com Arnaud Borges, já que ele sempre estava presente nas produções que fazia. “Mostrei a ele canções da minha juventude, dos festivais, da época da banda Diário de Bordo e ele ficou encantado com aquilo e provocou: ‘Primo você tem que fazer um show com essas músicas’”.  

O novo disco “Reflexões Nacionais” é também gravado ao vivo, desta vez no Estúdio Show Livre em São Paulo. A apresentação ocorrida no dia 26 de setembro de 2022 foi transmitida ao vivo pelo Youtube, e lançada nas plataformas digitais de música em novembro do mesmo ano. “O grupo passeia por músicas autorais, resultado das vivências extraídas do cotidiano de Proffa e parceiros compositores, onde as mesmas retratam o ser invisível, eterno escravo do sistema, que está à margem da purpurina política, social e religiosa. As canções refletem os sons das ruas, do grito dos excluídos das periferias, das lutas de classe e do povo brasileiro pelo mundo afora”, relata o release do novo trabalho. 

Eduardo Proffa tem 58 anos e é natural de São Paulo, mas cresceu em Alagoas desde a infância. “Vim morar em Maceió, mais precisamente no bairro do Pinheiro, no ano de 1970, aos 5 anos de idade, portanto sou alagoano de vida com direito a sotaque carregado, dor por nosso bairro devastado e tudo mais” revela ele. Ele lembra que a música começou entrar em sua vida através da mãe. “Ela cantarolava músicas da época que sempre ouvia no rádio. Ouvíamos de tudo, principalmente os sucessos antigos de Ataulfo Alves, Ângela Maria, Luiz Gonzaga, as marchinhas de carnavais ou alguns artistas da época da minha infância, tais como: Evaldo Braga, Antonio Marcos, Vanusa, Wanderléia, Rosemary, The Feveres, Golden Boys, Trio Esperança, Renato e seus Blues Caps e tudo mais que tocava na Rádio Palmares, Difusora ou Gazeta”, afirma. “Mas tem uma música que sai desse contexto de rádio difusão e volta direto para a minha mãe… Lembro que quando ela cantava Terra seca, de Ary Barroso, o mundo parava… Eu sentia cada palavra, bebia a melodia e tudo fazia sentido”. 

Na pré-adolescência descobriu Elvis Presley e se encantou com o artista e com o rock. “Fiquei completamente apaixonado pela voz, pela energia das músicas, e o impressionante: a sensibilidade de se fazer expressar em uma língua que eu não dominava e doar a própria alma para a canção, de tal maneira que entendíamos perfeitamente a emoção que ele transmitia através das letras”, aponta. Ele lembra que começou a querer se aprofundar mais no universo do rock até saber da morte do ídolo, em 1977. “Me deixou profundamente triste, e para uma criança de 12 anos lidar com perdas é muito complicado… Parei de ouvir música. Fui ser uma criança comum, jogar bola, soltar arraia, correr nos muros do CEPA, invadir sítios e roubar frutas”, revela. “Entretanto, a poesia começou a despertar em mim nesse período. Comecei a rascunhar alguns versos, meios desconexos, mas já me conectavam com a natureza, pessoas, lugares e emoções”. 

Na adolescência, mudou-se para o bairro do Santo Eduardo, na parte baixa da cidade. A mudança de mentalidade veio aos 14 ou 15 anos quando dois amigos lhe apresentaram dois universos paralelos: o da MPB e o do Rock n’ Roll. “Fui levado a MPB quando meu amigo Pinehas me apresentou uma coleção literária de músicas comentadas, conheci Taiguara, Ivan Lins, Geraldo Vandré, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Chico Buarque, Caetano Veloso, entre outros. A minha poesia encontrava ali a melodia versátil e criativa”, relembra. “Paralelo a isso meu outro amigo Erimá me presenteou com uma fita K7 que continha: AC/DC, Pink Floyd, KISS, Led Zeppelin, Rush, Deep Purple, Black Sabbath, Queen, Iron Maiden, The Beatlles, Rolling Stones, The Who, The Doors… O universo mágico dessas bandas e de tantas outras lendas reativaram a minha poesia desconceitual e anárquica, que ganhou identidade com o ritmo frenético das guitarras”. 

Logo em seguida veio a vontade de compor as próprias canções. Começou a participar de festivais e entrou de vez no universo da música produzida em Alagoas. “Desde os 17 anos até os dias atuais sou um bebedor da fonte musical e literária alagoana”. Depois de algumas frustrações com outras bandas, Eduardo criou a Diário de Bordo. “Com ela agitamos a cena rock daqueles anos 90, principalmente pela necessidade de sairmos das garagens. Nos unimos a diversas bandas e organizamos muitos Festivais de Rock, no extinto Cheiro da Terra e nas areias da Praia de Ponta Verde.” Algum tempo depois, estreitou os laços com o parceiro compositor e músico Jan Cláudio e fez vários projetos com o Nó no Garganta, aliando música e poesia. “A mais recente onda de aprendizado e inquietude musical, e por hora a última, foi a desconstrução da minha musicalidade rock de raiz, para que pudesse confluir a outros elementos da nossa regionalidade, e momentaneamente desembocar em Eduardo Proffa & Os Zélementos”, analisa. “Eu nunca quis ser intérprete, na realidade considero-me um poeta e dentro dessa visão, a proposta é que minha poesia seja ouvida, e a melhor maneira disso acontecer (ao meu ver), é através da música. E por isso só faço música autoral.” 

Seu processo de produção é quase estritamente liderado pela poesia. “A palavra sempre foi e é a minha ferramenta, a poesia quando brota vem pronta. Muitas delas já vem com uma linha melódica. Como não toco nenhum instrumento, o texto fica no papel e a melodia na memória”, revela. “Na realidade tudo é muito visceral, artesanal e criativo. E pela ausência do instrumento físico, me permito visitar diversos lugares com métrica ou sem métrica”. Do começo até aqui foram muitos parceiros, variando em cada momento e projeto da vida artística, mas o mais produtivo em termos quantitativos é Jan Cláudio. 

Proffa afirma que se sente num momento único na carreira. “Estou numa animação e empolgação tão juvenil, quanto no meu início, quando pisei no Palco sagrado do Teatro Deodoro aos 17 anos. Porém, mais calejado e não sentirei impactos positivos ou negativos com os críticos de plantão, vou apenas seguir”, diz ele. “Quero curtir este momento de debute nacional. Este novo projeto está me dando um ânimo assombroso e me traz novamente, já quase sessentão, o brilho dos holofotes. Não colocarei as mãos nos olhos, quero apenas ouvir a plateia”. 

Ao analisar a produção musical alagoana, Eduardo não esconde as dificuldades, mas não se prende a elas. “Na realidade, acho que falta o “bom” bairrismo, se é que existe algum, enfim… Estamos nessa labuta faz tempo e enxergamos sempre uma luz no fim do túnel, grupos nascem, crescem, tem resistência e padecem; outros se doam, gastam, caem na exaustão e desistem; raros, são, e posso contar nos dedos os que perduram por tanto tempo e conseguem fazer a arte independente”. Contudo, a positividade e o prazer pela arte fazem com que se persistam os projetos. “Faço isso há mais de 40 anos e não me canso. Tem que haver um repensar no se fazer cultura, deixarmos de olhar para o umbigo e caminhar coletivamente, acredito que só podemos prosperar dessa maneira”. 

Os próximos passos dos Zélementos seguem na mesma pisada desde o começo. “A primeira coisa a fazer e já estamos fazendo, é não se acomodar. Partir para o corpo a corpo, divulgar, expandir os horizontes, contornar todas as barreiras que temos com o trabalho autoral, independente, nordestino e rock ‘n roll”, diz Proffa. “A nossa semente foi plantada nacionalmente, mas precisamos aguar. O solo é árido, mas a fé e a esperança é digna e resiliente. A segunda coisa é subir nos palcos e nos divertirmos. O resto? É só o resto”. 

@eduardoproffaoficial 


*Nicollas Serafim – Maceioense, 30 anos e jornalista formado pela Universidade Federal de Alagoas. Trabalhou como estagiário no portal de notícias mais.al e na Assessoria de Comunicação do Instituto Zumbi dos Palmares. Repórter colaborador do blog Aqui Acolá desde fevereiro de 2016, é também compositor e amante das palavras e das imagens. Seus interesses passeiam pelas manifestações e expressões populares, do folclore à crônica, do futebol à música.

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