A tragédia socioambiental que recaiu sobre os bairros do Pinheiro, Mutange, Bebedouro e Bom Parto é algo que já entrou para a história da cidade de Maceió. Cerca de 40 mil pessoas foram desestruturadas pela exploração desenfreada de sal-gema, a qual acarretou no afundamento do solo e nas rachaduras de suas casas e suas vidas. Pensando nessa questão, um grupo de 12 fotógrafos compuseram o projeto Ruptura numa intervenção urbana de 96 fotos expostas em dois pontos das áreas afetadas, além da criação do site contendo mais informações e depoimentos dos participantes.
Segundo Jorge Vieira, um dos idealizadores, a ideia surgiu em decorrência do pouco que se falava atualmente sobre o problema, abafado pelos 9 meses de pandemia de Covid-19. “Duas fotógrafas integrantes do grupo Fragma, que coordeno, ainda moram nas áreas atingidas pelas rachaduras. Andréa Guido, uma delas, dizia o quanto estava incomodada com o aparente esquecimento que havia recaído sobre essa tragédia durante a pandemia”, diz ele.









Daí o conceito de uma ação coletiva que contribuísse para colocar novamente o assunto em pauta na mídia foi tomando forma. “Queríamos também que a população de Maceió pensasse sobre esse problema que entendemos não ser apenas dos moradores dos bairros afetados”, complementa. Logo em seguida surgiu a ideia de uma exposição no formato de intervenção urbana que fosse acessível aos olhares das pessoas que transitam ainda nos arredores das regiões atingidas pelas rachaduras. “Então, convidamos outros dez fotógrafos integrantes do grupo Fragma, que sabíamos estar conectados com a situação e propomos o Ruptura”.
Participam do projeto os fotógrafos Ana Paula da Silva, Andréa Guido, Arthur Celso, Carlos dos Anjos, Deth Nascimento, Dilma de Carvalho, Ducy Lima, Francisco Oiticica, Itawi Albuquerque, Jorge Vieira, Josian Paulino e Rafael Duarte. As 96 imagens estão expostas na Praça Lucena Maranhão em Bebedouro e na Rua José da Silveira Camerino, no bairro do Pinheiro.
Itawi Albuquerque revela que a produção das imagens foi um misto de tristeza e despedida. “Para mim foi estranho, pois já era um bairro por que passava todos os dias, no qual tive família, estudei no Pinheiro durante a infância e muitos amigos moravam lá, ou seja, tive muita convivência. Fotografar o bairro foi como uma espécie de despedida. Foi triste estar tirando imagens dali sabendo que o bairro não vai existir mais”.
“Visitar os bairros afetados foi chocante”, exclama Francisco Oiticica. “São bairros muito importantes da cidade, bairros históricos, com grande circulação de gente, onde amigos e parentes moram. Até então, não tinha a exata compreensão do ocorrido. Foi visitando os bairros que me solidarizei com o drama de todos os seus moradores”.
Dilma de Carvalho aponta que foi uma experiência muito dolorosa em razão de ter morado no Pinheiro durante 22 anos. “Muitas memórias afetivas de infância e adolescência foram tocadas durante a realização das fotos”, diz ela. “Contudo, foi também reconfortante saber que eu posso, através do meu olhar artístico, estar contribuindo para que outras pessoas vejam o problema causado pela Braskem, e esse problema não é só material. Inclusive a nossa proposta é também ampliar a exposição, porque é necessário que todo o país conheça a história destes bairros e o que está sendo apagado à força.”
Projeto Ruptura | Foto: Rafael Duarte Projeto Ruptura | Foto: Andrea Guido Projeto Ruptura | Foto: Dulce Lima Projeto Ruptura | Foto : Ana Paula Projeto Ruptura | Foto: Ana Paula Projeto Ruptura | Foto: Deth Nacimento Projeto Ruptura | Foto: Ducy lima Projeto Ruptura | Foto: Carlos dos Anjos Projeto Ruptura | Foto: Carlos dos Anjos
Jorge desabafa sobre o cenário desolador visto por ele durante as visitações: “Para mim, a experiência foi didática quanto à compreensão de como a sociedade se movimenta segundo os interesses do poder econômico, aliado ao político”, afirma. “As casas vazias, escombros que lembram destruição por bombardeio, os sinais de que ali não se deixava para trás apenas uma moradia, mas histórias, memórias afetivas, sonhos, e me gerou um misto de tristeza e indignação. É revoltante ver como é tratada a nossa gente, completamente em segundo plano quando se está em jogo o lucro.”
A fotógrafa Andréa Guido, uma das molas propulsoras do projeto também contou como foi participar do Ruptura. “Como moradora do Pinheiro, eu vivo diariamente o esvaziamento do meu bairro e a tristeza que paira no ar. São milhares de moradores e comerciantes que perderam o seu norte. Considero como uma experiência surreal e inimaginável”, reitera.
“Em março de 2018, quando houve o tremor de terra, não iria sequer pensar que em 2020 os bairros atingidos pela mineração da Braskem estariam vazios. Venho desde o início do ano registrando a desocupação, demolição e interdição de ruas, casas e prédios. Cada fotógrafo imprimiu seu olhar sobre essa destruição, o que me deixou muito feliz e emocionada”.
Projeto Ruptura | Foto : Deth Nascimento Projeto Ruptura | Foto : Arthur Celso Projeto Ruptura | Foto : Jorge Vieira Projeto Ruptura | Foto: Itawi Albuquerque Projeto Ruptura | Foto: Rafael Duarte Projeto Ruptura | Foto: Ana Paula Projeto Ruptura | Foto: Itawi Albuquerque Projeto Ruptura | Foto: Itawi Albuquerque Projeto Ruptura | Foto: Dilma Carvalho Projeto Ruptura | Foto: Dilma Carvalho Projeto Ruptura | Foto: Deth Nacimento Projeto Ruptura | Foto: Deth Nacimento
Realizar um projeto artístico em tempos de isolamento social também é um desafio. Para Jorge a exposição foi feita no formato que a pandemia exigiu – em intervenções urbanas ao alcance da população, e no site criado especialmente para o projeto. “São dois canais acessíveis ante a desaconselhável aglomeração que exposições em ambientes fechados geraria. Nós, artistas visuais, nesse quadro de pandemia, estamos sendo provocados a descobrir e experimentar novos caminhos para fazer chegar ao público a nossa produção, no que ficarão algumas lições, certamente. Inclusive a de que devemos sair de eventuais posturas isolacionistas, e avançarmos para o ganho coletivo”, revela.
Andréa comenta que o projeto Ruptura representa um grito de protesto visual. “A fotografia tem esse poder absoluto e contundente! É preciso que todos sem exceção vejam e sintam o que está acontecendo por aqui”, afirma.“Costumo convidar as pessoas que venham dar uma volta pelos bairros atingidos, enquanto ainda existem. Passem pelo Conjunto Divaldo Suruagy, pela igreja Menino Jesus de Praga, pelo Caldinho do Vieira, pela ladeira do Calmom e por aí vai, é um assunto que afeta a todos de Maceió, de Alagoas, do Brasil e do mundo”.
Para Jorge, o objetivo de dar visibilidade ao problema através dos olhares fotográficos foi alcançado. “Tivemos um bom espaço na mídia quando do lançamento do projeto, o site está sendo visitado e as fotos seguem intactas nas duas intervenções urbanas”. Oiticica afirma que o projeto representa o estreitamento de vínculos dos fotógrafos com a cidade e com eles mesmos. “Parabenizo o grupo pela consciência social e competência do trabalho que vem desenvolvendo e que culmina nesse projeto. Participar faz me sentir mais ainda integrado à vida de Maceió, cidade que me escolheu de há muito”, diz ele.
Ruptura é uma denúncia, um grito e também uma lição. “As rachaduras que atingem o Pinheiro, Bom Parto, Mutange e Bebedouro, são fruto de um erro grosseiro de gestão socioambiental. Para Maceió, espero que o Ruptura represente uma contribuição efetiva para que todos tomem esse drama, de algum modo, como seu. Afinal, é de solidariedade que cada vez mais a sobrevivência nesse planeta demanda”, conclui Jorge.
*Texto: Nicollas Serafim | Revisão e edição: Iranei Barreto | Acervo fotográfico: Artistas do projeto Ruptura.
O site do projeto Ruptura poderá ser acessado pelo endereço: projetorupturamcz.wixsite.com/fotografia