Dossiê Fotografia Alagoana

Amanda Bambu e Gabriel Moreira nos convidam a imergir e exteriorizar com suas fotografias

3ª edição - 2ª temporada do Dossiê Fotografia Alagoana

 

O Dossiê Fotografia Alagoana, série especial do Blog Aqui Acolá que já está na sua segunda temporada, ganha mais dois integrantes: os jovens fotógrafos Amanda Bambu e Gabriel Moreira.

Estudiosos e vivendo de forma intensa a arte e o fazer fotográfico, Amanda e Gabriel contaram suas trajetórias, inspirações e produções artísticas ao blog. Amanda Bambu trabalha muito com o interior, suas emoções e conexões com as mulheres. Já Gabriel Moreira busca aliar o trabalho publicitário com a fotografia de rua, retratando o exterior por onde passeia visualmente. 

Amanda Bambu | Na adolescência, aos 17 anos, foi trabalhar na mesma firma, na qual sua função era fazer a limpeza dos álbuns, página por página. Nessa lida, tinha por “obrigação” olhar cada uma das fotos, antes que o álbum fosse entregue ao cliente. “Durante esse processo, fui gradativamente me encantando e me envolvendo”, afirma. “Era um universo paralelo ao meu, era emocionante acompanhar algumas das histórias”.

 

Ela lembra que, certo dia, pegou-se chorando emocionada ao contemplar uma fotografia, e foi nesse momento que percebeu que gostaria de trabalhar com algo que despertasse emoções. “Sou do sentir e sou muito intensa”, revela. “Gosto do que é profundo, do que me faz mergulhar, são nessas travessias que eu me descubro também. É desse jeito que começa o meu trabalho com fotografia”.

 Há cerca de seis anos atuando como fotógrafa, Amanda Bambu confessa que é através das imagens que produz que ela despeja o que tem dentro de si.

“A fotografia é um canal que me liga ao mundo e uma ferramenta que me liga a mim mesma. Mais que uma profissão-arte, meu sacerdócio, afinal de contas a arte tem o dom de transmutar dores em leveza.” Para ela, o fazer fotográfico torna-se um espaço para o silêncio, mas também para denúncia, além do fato de que tem sido um elo de conexões com grandes histórias e mulheres, visto que Amanda tem como seu grande alvo o feminino.

“Minha jornada na fotografia tem sido muito marcada pela presença da figura fêmea, nuas ou seminuas, na qual me aventuro e adentro nesse espaço. Trabalhar com mulheres é um reencontro com quem eu sou”, afirma. “Hoje transito em dois olhares: um que são os retratos femininos, com suas nuances, entre vulnerabilidade e sua força no empoderamento; e os retratos autorais que falam da minha poética enquanto ser-mulher – poeta da imagem.” 

Amanda também é estudante de psicologia, o que amplia ainda mais os horizontes de sua produção fotográfica. Atualmente, ela usa a câmera digital e vem experimentando aos poucos a câmera analógica ao mesmo tempo em que tateia os processos de revelação caseira. 

Suas inspirações vão além dos fotógrafos. “Antes eu cito um pintor que influencia bastante o meu trabalho, que é Caravaggio com seus contrastes, luz e sombra, que me tocam profundamente”, diz ela. Junto a ele estão a fotógrafa paulista Leda Siloto, que trabalha com retratos autorais e a presença forte do preto e branco. “Ela traz uma mescla de mistério e poesia, tive a honra de conhecê-la em 2017”, comenta. A alagoana Karla Melanias, atualmente na Bahia, com seus trabalhos fortes e inspiradores com escanografia. “Conheci o seu trabalho através de uma obra que estava na parede da casa de uma grande amiga, e foi um grande choque saber que ela é de Alagoas”, diz. “De alguma forma me senti inspirada para criar algo tão potente quando a sua arte, tem sido pra mim um tipo de representatividade”.

No segmento dos retratos femininos, ela cita ainda Breno Barros. “De tão simples e orgânico, é imenso. E esse processo mais artesanal do fazer fotográfico analógico me encanta”. Assim como Francesca Woodman, norte-americana voltada para os autorretratos. “Suas narrativas são fortes e misteriosas. O que me chama atenção é o campo que ela explora dentro da expressividade”. 

Dentro de sua produção imagética, destacam-se três séries autorais, uma é Tabu: Sangue Sagrado. Segundo ela, é um projeto em parceria com Francielle Alves, no qual as duas constroem, dentro de sua poética, o tema da menstruação e sua sacralidade.

“Através da semiologia das imagens, trazemos esse sangue como um ato sagrado. Afinal, o que seria da humanidade sem esse sangue? Já que esse ciclo fisiológico é muitas vezes negado, com uma crença enraizada de que é algo sujo ou impuro”, comenta. 

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Já Retratos Autorais é onde ela foca e revela seus sentimentos mais íntimos. “Não sou muito da comunicação, então uso a câmera como uma ferramenta para me debruçar e dizer o que sinto”. Outra série especial é Ensaios Femininos, onde entra em contato com mulheres que querem uma sessão fotográfica, ao tempo em que busca fazer desse momento algo único para ambas. “Normalmente, elas me procuram pra ritualizar uma fase da vida, seja fechamento ou abertura de um ciclo, marcar um momento especial ou até mesmo uma fase delicada que esteja enfrentando”. 

Por fim, Aquário é seu projeto autoral mais recente, dedicado a temas como desapego e impermanência, no qual Amanda fotografa pessoas submersas. “A água é um elemento que se relaciona simbolicamente com as emoções. Por outro lado, imergir, mergulhar é um dos desafios que mais me desperta frio na barriga”, revela. “Desde muito nova gostei de mergulhos internos, de compreender dentro das possibilidades os pormenores das situações que eu estava vivendo. Aquário é uma conexão com a vida, o mistério e o feminino”. 

Apesar da ainda curta carreira, já participou de algumas exposições como a “Deslimites” no Sesc Centro em janeiro de 2020, retratando questões como território e a cidade. “Quem dera o sangue fosse só o da menstruação“, uma antologia literária e visual junto com 63 poetas e artistas visuais mulheres. A exposição coletiva “Punho“, dentro do festival Fotosururu, evidenciando a figura fêmea, seu poder de criação e expressão. E a virtual “Corpus Pretus” com 64 artistas de vários estados do Brasil. 

 Para Amanda, o mercado fotográfico maceioense ainda é estagnado em relação ao consumo do tipo de arte proposto por ela. “Embora atualmente a fotografia é minha atual fonte de renda, boa parte dos que acompanham e admiram o meu trabalho são pessoas de fora”, afirma.

“Sinto que estamos ganhando espaço aos poucos, tanto na área artística quanto na área da produção de conhecimento da fotografia. Parte desse avanço tem contribuição dos coletivos, além do festival Fotosururu, um grande incentivador”. 

Gabriel Moreira é natural de Brasília e veio morar em Maceió aos 7 anos. Desde então vem tentando conhecer um pouco mais de cada lugar de Alagoas. Sua trajetória na fotografia começou há 10 anos com o apoio do pai que lhe aconselhou um curso que estava para acontecer na cidade. “Fiz o curso que tinha duas semanas de duração de maneira completamente despretensiosa e me apaixonei pela fotografia”, confessa. “Na época, eu atuava como web designer e achava que seria um bom complemento à minha profissão”. 

 Depois do encantamento, veio a labuta. Ele lembra que quando começou a buscar informações na internet em 2010, o ambiente não era tão fácil como atualmente. “Cansei de usar ferramentas de tradução, baixar cursos em outros idiomas, revistas e blogs estrangeiros e aos poucos fui aprendendo mais a fundo”. Além da teoria, Gabriel teve a chance também de passar algum tempo em estúdio fotográfico, complementando seus estudos sobre a luz e produzindo na prática. 

Com suas atenções profissionais atualmente voltadas à fotografia publicitária, Gabriel produz imagens para arquitetura, moda, produtos, gastronomia e eventos que tenham ativações de marcas. Mas segundo ele, apesar de gostar desse segmento de trabalho, sua paixão mais intensa se dá através da fotografia autoral e documental. “As ruas retratam uma realidade de modo espontâneo que a publicidade precisa gastar milhares pra retratar com naturalidade”, reflete ele. 

Esse processo se intensificou a medida em que ele começou a dar aulas. “Como sempre faço saídas fotográficas com meus alunos, acabei visitando alguns lugares repetidas vezes, exclusivamente para tirar fotos”, comenta. “Fiz amigos na comunidade de pescadores do bairro do Pontal, já ganho pastel de presente na feira livre de Viçosa e acompanhei o crescimento de um grupo de crianças em Marechal Deodoro”. Para ele, debruçar-se com a câmera sobre o desconhecido é bom, mas voltar a um mesmo lugar faz com que as imagens ganhem um sentido especial. Nos últimos anos, ele revela que conseguiu juntar a fotografia publicitária com sua produção mais artística. “Fiz alguns trabalhos para capas de filmes e campanhas publicitárias conceituais, onde tive 100% de liberdade criativa pra imprimir minha identidade em trabalhos mais autênticos”. 

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Em seu trabalho publicitário, a luz é o elemento primordial, que acaba se sobressaindo com muito flashes e modificadores. Mas durante suas aulas de fotografia, Gabriel sempre experimenta técnicas diferentes.

“Acabo usando esses experimentos em sala de aula e aplico no meu trabalho (principalmente autoral), uso e abuso de longas exposições com flash e luz contínua, duplas exposições”, diz. “Gosto muito da ideia da fotografia com aspecto surreal, talvez até um pouco pictórico. Por essa razão, aproveito a física da fotografia pra criar imagens que fujam à realidade sem usar recursos digitais”. 

Em 2019, mudou-se para Nova York, onde participou de especializações dedicadas à fotografia de moda e de gastronomia. Mas durante esse tempo aproveitou para praticar a fotografia de rua. “Saía todos os dias de manhã com meu equipamento na mochila e só voltava ao anoitecer. Foram momentos muito bons pra explorar essa tipo de produção de imagens pelo meu olhar, sem a pressão da aprovação de um cliente”, revela. 

 Suas inspirações abraçam muito da fotografia brasileira, que segundo ele é essencial para quem deseja se inspirar a produzir. “Cláudia Andujar, Nair Benedicto e Alair Gomes são nomes de brasileiros inspiradores. Tive a sorte de me aprofundar mais neles através do Curso de História da Fotografia no Brasil com o Eder Chiodetto, que por sinal recomendo bastante pra quem quer se deliciar com trabalhos fantásticos e genuinamente brasileiros”. Nomes estrangeiros, ele destaca os trabalhos de Platon, Francesca Woodman, Robert Mapplethorpe e Steve Mccurry. “Todos esses nomes contribuem juntos para o que gosto de enxergar e fotografar. São excelentes inspirações em nichos completamente distintos”, comenta. 

Uma de suas séries, que ainda está em processo de construção e sem título, é dedicada a retratar artistas de rua. “Atualmente é que a tenho mais apego. Comecei com a ideia quando estive em NY pela primeira vez, em 2018. Usava sempre o metrô e é impossível passar por mais de duas estações sem encontrá-los”, explica. “Daí em diante fotografei os mais diversos tipos de artistas em todos os lugares que visito: escritores, músicos, artistas plásticos, escultores, dançarinos, rappers”. 

Antes dela, Gabriel destaca dois trabalhos importantes para sua trajetória artística. “Passei uma semana no sertão alagoano, a convite do Instituto Gastrotinga, e pude fotografar de dentro para fora a realidade das pessoas que vivem por lá”. O segundo foi a capa para o curta-metragem Alano em 2018, filme do diretor Silvio Leal. “O processo criativo foi muito interessante, eu estava a par do roteiro do filme e acompanhei todos os dias de gravação para entender ao máximo o personagem, que era interpretado por Erom Cordeiro”. O resultado se desenvolveu numa espécie de dupla exposição em que o interior e o exterior do personagem se encontravam. “É um trabalho que sinto muito orgulho”

Dentre as exposições coletivas que participou, ele revela que gostou bastante do resultado na mostra Negritude, realizada com a Agência Fragma em lambe-lambes espalhados pela cidade e a Combustão, feita pelos alunos e professores da Escola Criattiva, dentro do Festival FotoSururu deste ano. 

 Além delas, Gabriel já produziu três exposições individuais, sendo duas em trabalhos de coautoria com os alunos do curso de moda da Escola Técnica de Artes da UFAL, na qual atuou como professor substituto e fotografou as peças elaboradas pelos estudantes nos anos de 2017 e 2018. E outra, de maneira independente, reunindo seus principais trabalhos até aquele momento, como forma de despedida quando estava prestes a partir de Alagoas. “Foram 15 impressões em grande formato e 140 imagens em pequeno formato que foram distribuídas entre meus amigos e familiares mais próximos”. 

Ele afirma que boa parte de sua produção autoral nunca foi exposta. “Acredito que a magia da fotografia está justamente nos laços reais que ela intermedeia. A imagem materializada passa a ser uma lembrança de como eu me senti naquele momento ou de quem eu conheci. Ter as fotos em meu acervo, na maior parte das vezes, já sacia”, reflete. 

Inserido no mercado fotográfico comercial, Gabriel acredito que ele está cada vez mais aquecido em quase todos nichos, principalmente com a contribuição da ascensão das redes sociais. “Como educador, vejo todos os anos cerca de 100 novos profissionais oriundos dos cursos que ministro e quase todos os que se engajam conseguem adentrar no mercado de trabalho”. Paralelamente ele enxerga, ainda que de maneira mais superficial, um boom da fotografia como arte, principalmente desde o início da pandemia, mesmo que voltada quase com exclusividade para decoração.

“Apesar da procura do público geral ainda ser com temáticas mais vendáveis, como paisagens e natureza, só o fato de surgir esse consumo já é um grande passo para um mundo da fotografia que estava se perdendo nas telas de celulares e nuvens virtuais”, conclui. 


Foto de Capa: Gabriel Moreira

Texto: Nicollas Serafim | Edição e Revisão: Iranei Barreto


Amanda Bambu  – Instagram: @amandabambu  | Site: amandabambu.46graus.com 

Gabriel Moreira – Instagram: @gabrielmoreira.br  |  Site: gabrielmoreira.com.br

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