O artista plástico e escritor Pedro Cabral lançou no Rio de Janeiro, terra de Zé Carioca, seu primeiro livro “As picarescas aventuras de um célebre vigarista internacional”, biografia autorizada de outro extraordinário malandro, conhecido mundialmente como Doquinha. A publicação saiu pela editora Chiado Book e o lançamento oficial ocorreu no dia 30 de agosto, durante a XIX Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, no Rio Centro.
O personagem surgiu em 2000 como parte do jornal online “POISÉ”, parodia da revista ISTOÉ! , escrito e publicado por Cabral. O periódico teve suas atividades encerradas em 2010, Doquinha, no entanto, sobreviveu malandramente e migrou para as redes sociais do seu criador; e agora ostenta em 258 páginas relatos de suas façanhas.
Lembrando que Doquinha estreou em uma das Bienais mais comentadas de todos os tempos. Fontes não oficiais afirmam que sua biografia só não foi recolhida por ter esgotado antes da visita da censura imposta pelo então prefeito do Rio. Pura inveja! Segundo comentários de botequim, tem haver com uma treta antiga entre Doquinha e Crivella, por conta da fundação de uma igreja, que inicialmente foi batizada de “Igreja Blasfêmica do Queijo do Reino“.
Trata-se de uma obra sagaz e irresistível em que o autor reuniu relatos da trajetória de um personagem ardiloso, alinhado com as demandas e superficialidades do século XXI, uma espécie de Macunaíma repaginado. Doquinha é o herói malandro sem descendência familiar, mas boa praça, a ironizar com sua inteligência uma sociedade corrupta, repleta de aparências, iludida por constantes sonhos de ascensão. Vive a propagar uma falsa condição social, sempre a recorrer à astucia para se dar bem junto aos poderosos. Não se acomodou em ficar preso nesse lugar desconhecido. Ganhou o mundo, com o poder dos seus sonhos.
“A vida está cheia desses personagens“, adianta Cabral, no prefácio. “A maioria descende da baixa classe social, mas não há engano em se perceber esses notórios pícaros nas demais classes sociais, sempre querendo ascender mais socialmente, praticando suas malandragens, a despeito das suas decadências familiares.”
Segundo o autor, no mundo da fake news esses personagens se proliferam. “A estrutura social parece ter adquirido esse comportamento. De humano virou social. Muitos desses corpos coletivos são a verdeira expressão desse indivíduo consolidado. ” E assim, parece haver uma sociedade pícara, como se fosse um só corpo, assentada na hipocrisia. Mas aqui, nessas aventuras, prevale o bom humor. Se houver reflexões do leitor, vale a pena. Mas se houver o riso nos olhos e lábios, valeu muito mais”, conclui Cabral.
De forma bem humorada, Pedro Cabral distribui em 20 capítulos fragmentos da vida pregressa do personagem, desde os primeiros passos até as mais escabrosas façanhas, utilizando para isso, depoimentos de amigos de Doquinha, vasta pesquisa do narrador e entrevista com o próprio cidadão.
Doquinha aparece no livro já com 60 anos vividos. Apenas suposições sobre sua vida pregressa. Há relatos de que ele andou com as índias, aprendendo a meditar. Outros comentam que ele ficou 80 dias no deserto do Raso da Catarina com Mãe Maria Coqueluche, quando aprendeu a dominar seus diabos, seus demônios. E veja só, há quem jure ter visto Doquinha, aos 14 anos, diante de todo o corpo docente de Harvard, a deitar ensinamentos sobre a importância de um urubu no planejamento das cidades. Só para citar o quanto o personagem está alinhado com as excentricidades dos nossos tempos.
“Muitas histórias, algumas verdadeiras, a maioria, segundo seu concorrente, Manuel Mecânico, tudo fake news. ‘Ele não é essas coisas, não’, contesta. “
[Trecho da obra, p. 23]
O que se sabe é que Doquinha surgiu de repente no jet set mundial viajando de Coité do Noia a Paulo Jacinto, passando por Amsterdam. É importante adiantar também que o personagem é forjado à base dos sete pecados capitais. Explorou todos e se deu bem, concluiu Pedro Cabral, depois de uma vasta pesquisa.
“Doquinha encarna os pecados capitais com arte e com ética, moral e cívica, apesar dessa disciplina ensinada durante a Ditadura Militar só tenha servido para guerra de bolinhas em sala de aula. Como regra, ele quebra as regras. Ele adota esses pecados como princípios de uma nova era. Ele rompe as regras socioculturais como progresso evolutivo do ser humano. Como diz o professor Docarl, Doquinha é o cão chupando manga, chutando o balde e derrubando a barraca na quebra de um átomo”.
[Trecho do livro. p. 27]
O personagem é eclético e por vezes o acaso o premia, mesmo quando ele está distraído. Umas dessas distrações o fez alcançar a premiação máxima da literatura, o prêmio Nobel, com o poema “Doquinha na Oficina”. Além disso, conquistou terminantemente a mente e o coração do ator Chico de Assis, que o recitou 549 vezes.
Doquinha na Oficina
Ela chegou com aquele modelito assim:
Alto demais embaixo
E baixo demais em cima.
Doquinha olhava por cima,
Pra ver se via embaixo
Querendo ver em cima.
E de tanto espiar por baixo
E de tanto espiar por cima,
Doquinha terminou avistando
um capô de fusca,
uma biela e duas buzinas
[Trecho do livro, p. 43-44]
O livro é um antidoto contra o baixo astral e ao mesmo tempo nos ajuda a compreender as consequências da pós-verdade. A obra pode ser apreciada em doses homeopáticas ou em uma tirada só. E também pode ser consultado de tempos em tempos. Fica a critério do leitor. É importante alertar que as transgressões do ardiloso personagem só aumentam a cada página, tão atento e que não perde uma única oportunidade de alcançar seus propósitos, seja no mundo das artes, romances com personalidades, em grandes premiações, no jet set mundial, na politica ou até como fundador de uma nova igreja.
“As picarescas aventuras de um célebre vigarista internacional” | Autor: Pedro Cabral| Data de publicação: Dezembro de 2018 | Número de páginas: 258 \ ISBN: 978-989-52-4410-2 | Coleção: Viagens na Ficção | Idioma: Português/BR
A publicação poderá ser adquirida com o próprio autor ou no site da editora Chiado Book, no endereço https://www.chiadobooks.com.