Amar é cuidar. E o amor pela arte e pela cultura transbordou em Kelcy Ferreira, o que fez com que ela passasse a vida construindo pontes entre a cultura e zelando-a para as pessoas. Com mais de duas décadas de trabalhos como analista em artes visuais, Kelcy Ferreira é a homenageada especial de 2018 do Aqui Acolá por todos os serviços prestados à cultura alagoana.



Kelcy nasceu em São Luís do Maranhão e veio para Maceió ainda pequena, por causa dos pais. Depois dos 18 anos, entre idas e vindas por cidades como Recife, João Pessoa e a própria capital maranhense, formou-se em Relações Públicas e voltou a Maceió, onde começou a trabalhar na área cultural.
Borda azul em fios de sonhos
Falar sobre Kelcy é – e sempre será – uma grande honra para mim. Eu a conheço há mais de 20 anos e, nesse tempo todo, sempre se mostrou uma mulher forte, mãe afetuosa, amiga exemplar e profissional competente. Aquele tipo de pessoa que está sempre à disposição, sabe? Que coloca um pouco dos próprios sonhos de lado pra ajudar você a realizar os seus. Mas não se engane: cedo ou tarde, ela realiza os dela. Com louvor. Lembro quando precisou conciliar a longa jornada de trabalho com uma especialização em Arte em outro estado. Anos depois, fez outra graduação. Agora, está prestes a concluir mestrado. Não duvido que o doutorado chegue logo. E ela merece o PhD!
Falando sobre os (tantos) feitos dessa moça, posso citar o maravilhoso trabalho que ela realiza com as bordadeiras do grupo “Bordazul”, de Guaxuma – coordenado pela Gianinna Bernardes. Nossa! Aquilo vai ficar eternizado em nosso Estado porque pouca gente se preocupa com a “memória urbana”. Enquanto tantas tradições vêm sendo esquecidas, Kelcy defende, dia após dia, um jeito do mundo conhecê-las; partilhá-las; lembrá-las. Não é fácil. Mas você acha que ela se abala? Essa é sua marca registrada: quanto mais difícil, mais se dedica e mais bem-feito faz.
O mundo com Kelcy é bem melhor. Avante, minha amiga! Você, que borda o azul em fios de sonhos, merece o máximo que a vida puder lhe oferecer. Eu estarei sempre aqui, na plateia, aplaudindo, torcendo. Ou ao seu lado – quando precisar – em prol da cultura alagoana.
Guilherme de Miranda Ramos (Escritor e Amigo de todas as horas)

Com o pai músico, ela já convivia com apresentações musicais desde cedo. De concertos até bailes de carnaval e frevos de rua, passando por pagodes em fundos de quintais. Pela mãe, aprendeu a apreciar os livros e o cinema. “Por isso quando fui para a universidade escolhi a área de Comunicação para poder trabalhar com projetos culturais”, diz ela. Desde os trabalhos acadêmicos, até o estágio na Paraíba, Kelcy sempre esteve inserida nessa seara. E de lá pra cá já se vão 23 anos dedicados à cultura.
Sabe quando arte e vida se mesclam na mesma paleta? Foi o que nos aconteceu, Kelcy Mary e eu, nos re-conhecemos no início do ano de 2001, um contato por intermédio de um amigo recente, ele foi a ponte de Monet, Lima Neto (poeta, músico e ator). Eu estava recém-chegada por essas terras, minha terra de origem; mesmo assim, me sentia um estrangeiro. Minhas raízes foram transplantadas tantas vezes na infância, trago rastros de cada lugar por onde passei, mas; não conhecia bem a terra, onde um dia, brotei semente.
Ao retornar, esses encontros marcaram sim, minha vida pessoal e profissional, portas e janelas foram abertas, outros enlaces se deram, nos demos as mãos para o trabalho e para a amizade. À época, Kelcy me fez um convite irrecusável, mediar no Museu da Imagem e do Som de Alagoas, a exposição de reproduções fotográficas, em dimensões reais, obras de Cândido Portinari. Entre as obras estavam retratos de família, histórias de trabalhadores e brincadeiras de infância. A mostra circula Brasil a fora até hoje, é o projeto Arte SESC, desenvolvido pelo Departamento Nacional com sede no Rio de Janeiro, e tem como objetivo possibilitar o acesso a arte às comunidades mais carentes. Em 2019, brindaremos 18 anos da construção de um caminho rumo à partilha de saberes, porque comungar a arte e a cultura com o outro, acredito que foram e são, os significados essenciais da nossa existência.
Alice Barros (Artista Visual e Curadora)



“Durante esse processo eu descobri o trabalho de Nise da Silveira, que une a saúde e as mais diversas formas de expressão como a arte, por isso fui fazer a graduação em Psicologia”, comenta. “Hoje estou fazendo mestrado, e sempre unindo esses dois elementos – cultura e cuidado”. Sua pesquisa no mestrado é com o coletivo de mulheres bordadeiras do litoral norte de Alagoas, o Bordazul.
Durante os anos em que atuou no Sesc Alagoas, o ritmo de exposições e projetos de cursos foi intenso, chegando até 12 exposições por ano em algumas oportunidades. Não só na capital, como em Arapiraca, Teotônio Vilela e Palmeira dos Índios. Um dos projetos mais importantes foi o Ateliê Aberto, que está ativo desde 2004. “Foi uma parceria muito intensa com os artistas, desde a Marta Arruda que foi a primeira, Achiles Escobar, Eva Cavalcante, Karla Melanias, Lúcia Galvão, foi muita gente boa”, relembra. Mais de 500 pessoas passaram pelos ateliês dos artistas e algumas já enveredaram também pelos caminhos da arte.



Umas das relações entre estranhos que pode ser mais profunda, despertar curiosidades, construir laços de afeto e amizade é a de professor-aluno.
Kelcy foi minha professora de espanhol no ensino médio no início dos anos 2000, no Colégio Adventista e de lá um grupo pequeno de adolescentes partiu para o Sesc Centro, onde ela trabalhava desde 1997 como Técnica de Cultura responsável pela Galeria de Artes Plásticas desde que passou na seleção para ocupar o cargo anteriormente de Carmen Omena, que se aposentou.
Na Galeria que estava num período entre exposições pudemos terminar de assistir numa TV de tubo: Como Água para Chocolate, além de conhecer melhor as instalações da Unidade de Cultura.
Exatamente por esse filme e a poética daquela história contada em espanhol que evocava tantas vivências e experiências que nos aproximamos e nos reconhecemos como seres sensíveis numa mesma jornada.
Ainda em 2001 através do Projeto Arte Sesc do Departamento Nacional no Rio de Janeiro, a Exposição de Lasar Segall – Poesia da Linha e do Corte aporta em Maceió e a convite de Kelcy comecei a prestar serviços de mediação cultural na Galeria do Sesc Centro, ao lado de Alice Barros e Vinícius. E só parei em 2011 para seguir outras jornadas, que em certa medida se relacionavam com a Arte.
Em 10 anos de convivência quase cotidiana aprendi e percebi a diplomacia e sutileza de Kelcy para conquistar no mundo institucional das Artes Visuais: a pintura de um piso, a construção de paredes e a desconstrução do cubo branco da Galeria, a retirada de um trilho de luz equivocadamente colocado, o acolhimento das crianças em situação de rua que despertavam o interesse de saber o que acontecia dentro daquela Exposição em cartaz e que sentiam o lampejo de serem tratadas como crianças quando tinham papel e lápis de cor nas mãos, a aproximação e oportunidade de artistas, sobretudo os alagoanos, enxergarem-se como artistas e suas obras ocuparem um espaço considerado a mistura de mítico e sacro (uma Galeria) com projeto curatorial, expográfico e de catálogo impresso cuidadosos…
Kelcy viajou Alagoas e o Brasil conhecendo artistas, obras, exposições, bienais… e a cada retorno compartilhou além de histórias, livros, pessoas, anseios que se transformaram em sementes de projetos que concretizaram-se: Ateliê Aberto à Comunidade, Café com Arte, Diálogos em Artes Visuais foram alguns plantados por ela e regados por todos aqueles que juntos acreditaram, assim, cresceram com autonomia, força, estrutura e leveza.
Kelcy foi a primeira ou uma das primeiras a trabalhar na Galeria do Sesc Centro com alguns artistas… ela enxergou para-além cada detalhe de suas obras e a força do que estava sendo dito através da pintura, gravura, ilustração, escultura, performance etc… Fernando da Ilha do Ferro, Pedro Lucena, José de Chalé, Eva Cavalcante, Jackson Lima, Alfredo Malet, Guita Schariffiker, Arlindo Monteiro, Rosivaldo Reis, Paulo Santo, Paulo Caldas, Marta Arruda, Achiles Escobar, Zezinho, Antônio de Dedé, Hilda Moura, João das Alagoas, Sil da Capela, Heway, Munganga, Daniel Contim, Myrna Maracajá, Robertson Dorta, BordAZul…..
De 2012 até agora nos reencontramos em muitos outros projetos, ações, pautas e aquela necessidade de compartilhar beleza, instigar curiosidades, despertar reflexões e autonomias para a construção de outras histórias, vivências, experimentações e obras continuam sua força-motriz.
Olho, vejo, enxergo e percebo sua atuação nas Artes Visuais ao longo desses 21 anos em que trabalhou para o Sesc Alagoas como um processo de criação: construção realizada com vários cômodos, texturas, janelas, estados de respiro e liberdade, pois houve um diálogo, escuta e aproximação de muitos que não tinham voz/vez e não percebiam com clareza a avalanche de suas expressões… ofertando um espaço, estrutura e condições dignas da relação obra-galeria-artista-interagente.
Milla Pasan (Agente Cultural)

Para Kelcy, o Ateliê Aberto é o trabalho mais marcante do qual fez parte durante sua trajetória. “É quase meu terceiro filho, além da Clara e do Gabriel”, brinca. “Mas tem outros que eu gosto muito, como o que hoje é o Diálogos em Artes Visuais, que nasceu com a ideia de compartilhar os conteúdos que a gente recebia”. Segundo ela, o grande motivo dos êxitos desses projetos foi a formatação das necessidades que ela ouvia das pessoas em projetos reais que envolviam a participação tanto do público em geral como dos próprios artistas.
Seu lado artístico ela diz que exercita na escrita, na qual foi permitida inserir um viés mais poético do que acadêmico, e na fotografia por prazer. “Uma das coisas que aprendi a admirar ao trabalhar com os artistas é não ter rotina no nosso dia a dia. Acho que a gente tem que buscar essa criatividade mesmo em tudo o que a gente faz”, revela.



Conheci Kelcy no SESC há 20 anos; a sintonia foi muito forte e desde então somos amigas e sonhamos juntas. Fico feliz quando aparece a oportunidade de trabalhar com ela, sempre serena e doce. E extremamente competente, profissional séria e dedicada.
Neste caminhar de 20 anos, fizemos juntas alguns lindos trabalhos: a oficina de caixinhas no antigo Nação Caetés, uma parceria muito boa de espaços culturais; a oficina de máscaras por ocasião da exposição de máscaras carnavalescas; a I PINACOSESC, uma proposta envolvendo a CARC, a escola SESC e diversos artistas locais, finalizando com uma grande exposição na galeria do SESC Centro.
A partir dos pedidos e anseios de muitos artistas e envolvidos nas diversas linguagens da arte, Kelcy estruturou e deu vida ao projeto Diálogos em Artes Visuais, um espaço de encontros para estudo, reflexão e muita troca. Foram muitos encontros que se constituíram numa experiência muito rica e marcante. No desdobramento, a partir da exposição itinerante do Bispo do Rosário, aconteceram vivências fantásticas, envolvendo o Bordazul, o curso de extensão do IFAL em estamparia e também o projeto Navegantes, uma semana de criação sob a influência de tão rica exposição e temática, que tive a honra de conduzir.
Neste ano de 2018, estive muito próxima à Kelcy nos encontros do Ateliê Aberto à Comunidade, um projeto idealizado por Kelcy há 14 anos e que vem dando muitos frutos. Vivenciamos 5 meses neste primeiro ano (o projeto é sempre bienal, 5 meses em cada ano, finalizando com exposição e catálogo das obras). O grupo é grande, heterogêneo e o que nos une a todos é o amor pela arte, a vontade de trocar conhecimento e vivenciar coisas novas e muito afeto. O afeto é o elo mais forte desta corrente. Mesmo tendo finalizado a etapa 2018 em setembro, o grupo continua se encontrando, trocando abraços e fazendo arte, seja no horto florestal ou no ateliê do mestre José Paulo, participante que abriu as portas de seu espaço para nossa confraternização.
Nestes 20 anos de trabalho nas artes visuais do SESC, Kelcy conquistou o respeito da classe artística e das pessoas que frequentam os cursos e exposições. Este respeito e carinho é o reconhecimento da seriedade do trabalho e também da postura extremamente humana e acolhedora que Kelcy praticou e pratica. Sei que muitas portas se abrirão para acolher uma profissional deste valor. Meu desejo é continuar convivendo com Kelcy, aprendendo e partilhando conhecimento, sonhos, afetos e, se preciso, dividindo tristezas. Quando o trabalho é sério e afetivo, os laços não se rompem mais.
Beth Krisan (Artista)
Grande fã da arte alagoana, Kelcy reforça que a produção artística do estado não deixa a desejar em nada para qualquer lugar do mundo. “Eles são incríveis. E penso no grande desafio que é, porque aqui nós não temos um curso de Artes Visuais na universidade”, afirma. “Vejo que a cada dia os artistas estão se superando”. Ela conta que esteve este ano no Centro Sebrae de Referência do Artesanato Brasileiro (CRAB) no Rio de Janeiro e se sentiu orgulhosa quando viu que 99% dos trabalhos expostos eram de Alagoas.
Segundo Kelcy, a arte representa sua vida inteira, desde criança passando pela vida profissional até sua saúde. “Estava lembrando dia desses com meu filho que quando eu tinha aquelas crises existenciais típicas de adolescentes eu ia ao cinema e sempre melhorava”, lembra. “Comecei a perceber isso, que a arte sempre me renova. A gente pode estar passando por qualquer momento desafiador, mas quando vamos a uma exposição, uma apresentação musical ou de artes cênicas ficamos bem”.
Acredito, como artista, que o SESC ganhou muito e teve uma maior dinâmica com a Kelcy. Seu envolvimento com o segmento visual e o apoio aos novos artistas fez toda a diferença, proporcionando maior visibilidade aos que ali chegaram com as mais irreverentes propostas artísticas. O SESC é uma das nossas melhores referências em nosso Estado e apoio a classe artística.
Persivaldo Figueirôa (Artista Visual)
Kelcy Ferreira é uma figura que vem marcando com muita seriedade profissional, e já de longa data, a história da arte visualista em Alagoas. Merece hoje, por isso, o nosso reconhecimento social por seu trabalho de gestora cultural e curadora de exposições. Exposições essas sempre muito significativas para o desenvolvimento do campo histórico da arte local.
Ricardo Maia (Escritor e Curador)
Texto Nicollas Serafim | Edição, revisão e produção: Iranei Barreto | Créditos das imagens: Acervo pessoal de Kelcy Ferreira e Robertson Dorta
*Foto da capa: Jangada
Emocionada com essa homenagem! Mais que merecida! Aqui o afeto transborda.
Parabéns, Kelcy! Você mais que MERECE! 😍
Maravilha. Merecido registro. Kelcy merece ser evidenciada, respeitada e homenageada pelo trabalho que tem muito da sua boa energia, do seu profissionalismo e do seu afeto.
Amiga querida e madrinha de coração do meu casamento.
Kelcy, você é merecedora de cada palavra, de cada frase, de cada verso e prosa aqui escritos e, tantos outros que não caberiam neste espaço. Você é parte do patrimônio cultural humano vivo da nossa cidade, do nosso estado, do nosso país e de todo o mundo. Gratidão por todos os momentos vivenciados até aqui e todos os outros que ainda estão por vir! Beijos e abraSUS, com amor e afeto…