Ateliê Pintura

A Casa-Ateliê de Delson Uchôa

"ATELIÊ", nova série Aqui Acolá tem estreia com a Casa-Ateliê do consagrado pintor alagoano Delson Uchôa.

A série Ateliê estreia  contando sobre a inusitada relação de Delson Uchôa com sua Casa-Atêlie, localizada na paradisíaca praia de Ipioca, em Maceió.  Considerado um dos mais importantes nomes da pintura brasileira atual, ele vive em permanente estado de arte, onde todo o espaço é sitiado de obras, inclusive o piso é parte do processo em que ele “cultiva telas”. Delson Uchôa recebeu o Aqui Acolá para um bate-papo descontraído sobre  refúgio, arte e  processo artístico. 

Aqui Acolá - Delson Uchoa (1)
Foto: Acervo de Delson Uchôa

Há quase duas décadas, o alagoano deixou a badalação do Rio de Janeiro para viver em quase total isolamento em Maceió. Segundo ele, inicialmente o retorno à terra natal se deu por conta do crescimento da família, o apartamento na Cidade Maravilhosa ficou pequeno com a chegada do segundo filho. Ele precisava de mais espaço para criar e também sentiu necessidade de reunir suas obras em um único local. Delson diz que quando se deparou com a quantidade de trabalhos que tinha pronto e outros em andamento, decidiu: “Agora, vou me alimentar de mim mesmo”.

Obra "Oceano", de Delson Uchôa
Obra “Oceano”, de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra "Janela do Mangue", de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra “Janela do Mangue”, de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista

Obra "Hortelã (2012), de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista

“Partícula U”, obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista

“Eu acho que esse processo, essa minha volta ao Nordeste, meu pensamento autofágico me fizeram fugir da aluvião globalizada, que começa a ganhar grandes proporções exatamente nos anos 1990 e na passagem do século. Isso foi minha salvação”. 

(Trecho da entrevista “No Ventre da Baleia”, concedida por Delson Uchôa para Jacopo Crivelli Visconti e Agnaldo Farias)

O maceioense se destaca por suas pinturas em telas de grandes proporções, multiplicidade de camadas e explosão de cores e luz, que migram por diversos suportes, em um denso processo artístico talhado na herança, tradição e experimento.

TELAS CULTIVADAS

A Casa-Ateliê, o isolamento, viver em permanente estado de arte até para as coisas mais triviais do dia-a-dia, fortaleceram ainda mais seu método e exacerbaram sua percepção de si e do todo. “Foi muito bom ter voltado. O meu trabalho de arte enriqueceu muito com esse retorno”, lembra. Delson mergulhou no seu processo criativo e passou a habitar a própria pintura.

Atento ao seu entorno, Uchôa teve a ideia, a partir de uma demanda domestica, de usar o piso da  Casa-Ateliê como suporte para iniciar algumas de suas criações. “O chão é barro batido, e com muito sal da maresia, e eu percebia que quando a Meire varria, todo dia saía barro, como nas casas coloniais. E a Meire não gostava daquilo. Então passei a primeira camada de resina, para selar”, recorda. O processo migrou para sua arte e envolve galões e galões de resina no piso dos cômodos. O cultivo das telas acontece em toda a extensão se ramificando por entre os quartos, salas, escada e corredores das duas residências, que compõem sua Casa-Ateliê.  

Obra "Sentinela", de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra “Sentinela”, de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra "Pintura Habitada", de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra “Pintura Habitada”, de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obras de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obras de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obras "Boca de Forno" [1988-2002-2011] , de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obras “Boca de Forno” [1988-2002-2011] , de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obras de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obras de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista

Depois que a resina é colocada no piso, Delson faz as primeiras intervenções, com tinta. Deixa que o chão sofra a ação do tempo. Passados alguns meses, ele e sua equipe removem do piso o que ele chama de “pele”. A partir daí,  utiliza técnicas cirúrgicas para o tratamento destas “peles”, tais como transplantes, implantes, suturas, enxertos e incisões. É o encontro do médico com o artista. Uchôa cursou medicina pela Universidade Federal de Alagoas e mesmo nunca tendo exercido a profissão, os procedimentos e vocabulário clínico passaram a inspirar seu processo artístico. “A medicina dá uma sofisticação ao espirito humano”, diz ele.  “Xadrez de Chão”, que integra a coleção de Bernardo Paz, foi à primeira obra retirada do piso, e consiste dos retalhos de dois quartos e duas salas.

Quando eu comecei a descolar o piso da casa, eu queria que ficasse registrada uma vida em cima daquele suporte. Eu queria que a circulação dos quartos, da sala, o desgaste, os vestígios da vida que aquilo ali estava tendo, pelo cachorro, formiga, pequenos insetos, migalhas de pão, qualquer coisa que ia caindo no chão de resina, que eu ia passando assumindo toda essa questão para quando esse trabalho saísse, ele já saia carregado de informação, ou seja, de uma vida, uma pintura que foi habitada,” comenta. 

AUTOFAGIA

E quando enfim conseguiu reunir todo seu acervo no ateliê em Maceió, Delson percebeu que alguns trabalhos estavam danificados. Mas logo se deu conta de que não havia restauro e que ele não era restaurador. Foi aí que começou a gostar da “anti-mancha” das áreas que tentou restaurar. A partir deste pensamento iniciou o que chama de Autofagia, complexo e peculiar diálogo  com o tempo, em que obras  são trabalhadas durante décadas. “Quase não estão prontas porque a qualquer momento eu entro com um pincel e  as altero. Elas só ficam prontas quando são adquiridas ou entram em coleções de museus e eu não posso tocar mais”

Ele explica como funciona o seu processo autofágico e fala da série de obras que não estão à venda por ser parte dessa conversa com o tempo. OUÇA!

RELAÇÃO LUZ-COR   

A decisão de voltar para o Nordeste e produzir seus trabalhos em Alagoas trouxe para a obra de Uchôa também a exuberância das cores do nosso litoral. Delson é, segundo o crítico de arte Paulo Herkenhoff, um dos mais importantes estudiosos da cor no país.

“O sumo da poética de Delson Uchôa sempre foi ser o sumo da cor, que aparece quando elas se tocam e mais do que isso, se atiram, vibração que se dá por contraposição”, diz Agnaldo Farias, em “Delson Uchôa – Experimentando a Luz”.

Obra "Janelão" (2012), de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra “Janelão” (2012), de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra "Pericárdio", de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra “Pericárdio”, de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra "Florescência Acácia"(2012), de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra “Florescência Acácia”(2012), de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
Obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista

Quem também ressaltou a técnica luz-cor de Delson foi Daniela Name no texto “Delson Uchôa, Marujo de Luz”. “Na obra de Uchôa, o jogo entre as cores é sempre uma dança com o sol e, portanto, uma conversa com o tempo. Sua cor não é matéria-tinta, puro pigmento, e sim cor-luz, incidência luminosa sobre a paisagem, tanto aquela que está do lado de fora quanto aquela que se forma dentro de nossos corpos, retina e memória,”escreveu.

“A cor enquanto pigmento você compra como química, aquela questão física dela é um pozinho; e seria o pigmento vermelho, o pigmento amarelo, mas do ponto de vista sólido. Quando eu diluo e preparo a minha tinta, e eu vou utilizando, eu faço com que essa cor se desmaterialize. Ela se transforme em uma luz, ou seja, uma luz-cor vermelha e não mais um vermelho como eu já trabalhei em outras ocasiões, um vermelho chapado. São muitos vermelhos para fazer uma luz-cor vermelha”, explica Delson.

E foi perseguindo essa relação tempo e luz-cor que Delson se inspirou em sombrinhas de poliéster para a realização do projeto “Bicho da Seda”. Vi uma família com sombrinhas de poliéster em estilo chinês, e fiquei espantado. Eu vi aquilo ferindo a paisagem e não esqueci. Comprei centenas e saí para fazer experiências. Eu queria me apropriar de uma paisagem enquanto pintura”, conta.

"Estufa F. 8.8" (2015), obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
“Estufa F. 8.8” (2015), obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
"Tatarana", obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
“Tatarana”, obra de Delson Uchôa | Foto: Acervo do artista
"Equinócio", de Delson Uchôa
“Equinócio”(2012), de Delson Uchôa | Foto: Acervo de Delson Uchôa

Para o projeto, ele usou uma série de sombrinhas de diferentes cores levadas a diferentes pontos do sertão compondo paisagens repletas de cor, luz e contraste. A partir dessas interferências, surgiu uma pintura que conversa com a performance, o teatro e as intervenções. “Fui visitando todo o sertão alagoano em busca do sol. Eu quis dar um testemunho luminoso do Nordeste do Brasil,”declara. Segundo ele, Bicho da Seda é também uma discussão geopolítica, em que ele trata de questões políticas, ecológicas e da globalização.

RASTRO DE LUZ

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“Vai ver eu sou uma lesma e aquele rastro de luz prata que ela vai deixando é o trabalho dela, é o meu! É a minha vida! Tudo que eu aprendo eu coloco dentro da minha arte. A questão da cor e da luz que é muito forte, ela atraí, ela seduz o olhar, mas logo depois já começa uma conversa, porque eu pinto e eu sei que a pintura fala para o olho que ouve”, diz Delson Uchôa.

 Uchôa fez parte na década de 1980 da exposição “Como vai você, Geração 80?”, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, organizada por Marcus de Lontra Costa e Paulo Roberto Leal. A partir daí seu trabalho despertou o interesse de grandes galerias do sudeste e de outros países.

Uchôa conta um pouco do início e explica como ele chegou ao que faz atualmente. ESCUTE! 

O rastro luminoso do trabalho do alagoano corre mundo a fora. Dentre os grandes eventos culturais mundiais, Delson Uchôa já participou da mais antiga e consagrada Biennale di Venezia, Itália (2009); da I Bienal de Assunção, Paraguai (2015); da 12ª Bienal do Cairo, Egito (2010); e da 10° Bienal de La Habana, Cuba (2009).

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12ª Bienal do Cairo, Egito (2010) | Foto: Acervo do artista

No Brasil, mostrou seu trabalho na mais importante Bienal Internacional de São Paulo – a 24ª Bienal da Antropofagia; Bienal Internacional de Curitiba, Museu Oscar Niemeyer; VIII Salão Nacional de Artes Plásticas, Museu Nacional de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1985); Arte Pará Edição 2005, Fundação Rômulo Maiorana, Belém; para citar alguns. Tem trabalhos em coleções públicas e tantas outras obras em coleções particulares, a exemplo do Ludwig Museum, Koblenz, Alemanha; Museu de Arte Contemporânea de Niterói; Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro; Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro; Pinacoteca do Estado de São Paulo; Vogt Collection, Berlim, Alemanha; Coleção Inhotim Centro de Arte Contemporânea.

Delson tem representação em Curitiba, pela Sim Galeria; em Belo Horizonte, na A.M. Galeria; no Recife, pela Amparo 60;  São Paulo, Zipper Galeria; e no Rio de Janeiro, Anita Schwartz, onde terá sua próxima exposição em 20 de junho deste ano.

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Site: delsonuchoa.com  | Instagram: delsonuchoa  | Facebook: delsonuchoa

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