O fotógrafo pernambucano radicado em Alagoas Roger Silva entrelaça todos os sentidos e simbologias da negritude através do livro Banzo, ensaio de autorretratos lançado em novembro de 2021. Natural de Barreiros-PE, Roger Silva vive em Maceió há mais de 10 anos. E foram as ruas da cidade que despertaram a luz da fotografia em sua vida. Com 15 anos, comprou uma máquina analógica e feito menino começou a explorar o brinquedo novo tendo as esquinas e ruas do Centro como cenário, quando vinha visitar seu pai nas férias.
De lá pra cá, ele foi desenvolvendo suas séries fotográficas até chegar em “Banzo”, que consiste em autorretratos carregados de densidade com o objetivo de falar e retratar as dores e a força do povo negro brasileiro. “Quando comecei a desenvolver a série, estava completamente atordoado com o início da pandemia da COVID-19 no Brasil. O gatilho se deu com a primeira morte registrada no país: uma empregada doméstica do Rio de Janeiro que não teve a chance de se isolar, contraiu o vírus da sua patroa, moradora do Leblon, recém-chegada da Europa”, lembra Roger.
Com oito anos de trajetória profissional na fotografia, Roger destaca a persistência e força para acreditar em si mesmo. “Ultimamente tenho parado de pensar sobre meu progresso na fotografia, mas posso dizer que hoje me sinto melhor que ontem. Tenho buscado fazer um bom trabalho, não é fácil, nunca será, mas estou ocupando os espaços e se isso está acontecendo mesmo com tantas adversidades é sinal que os trabalhos produzidos até aqui fazem sentido, é forte, legítimo e potente. ”
Com a divulgação das primeiras imagens da série, Roger logo percebeu a identificação das pessoas com o conceito do trabalho. “Foi quando entendi que Banzo não era só sobre mim, era um manifesto imagético sobre as dores e traumas de muitas pessoas. Por este motivo, resolvi por conta própria, editar e formatar o fotolivro”, revela. “Juntei o pouco que tinha e produzi com muito esforço, esperança e lágrimas. Cada página é fruto de tudo isso”.
O conceito pensado para a produção das fotografias se desdobra em seus estudos sobre a história do negro no Brasil. “Se fosse escolher um conceito em específico, diria que tristeza e angústia são os dois mais latentes, contudo Banzo também trata de reflexões sobre como conseguimos sobreviver a tudo isso ao ponto de carregarmos esse estigma até os dias atuais, é muito louco perceber que continuamos falando sobre essas dores e sofrimentos, sobre essa necessidade de continuarmos lutando para sermos quem somos”, reflete ele.
“A história do negro é carregada de processos tão violentos que se torna difícil para nós imaginarmos tamanha covardia a qual fomos submetidos e ainda somos, já que continuamos sendo a maioria de assassinados no Brasil. Logo, Banzo é carregado de vários conceitos que vão dos que já relatei até o conceito de resistência, amor à vida e a liberdade, já que ser banzo era um sinal de não aceitar ser escravizado”.





As fotografias começaram a ser produzidas no início da pandemia da COVID-19 no Brasil. “Foi um processo bastante perturbador por causa da pandemia, tive medo de perder minha mãe que é empregada doméstica e não parou nem por um momento, fiquei extremamente debilitado quando soube da primeira vítima do Covid-19, também uma empregada doméstica do Rio de Janeiro, mais ou menos da mesma idade da minha mãe”.
Segundo ele, o fotolivro nasce de um sonho de publicar uma obra acessível, com uma linguagem mais simples. Ele foi o vencedor da microbolsa oferecida pelo jornal EL PAÍS em parceria com a editora de livros de fotografia Artisan Raw Books, apoiada pelo Favela em Pauta. Apesar do prêmio, “Banzo” é um trabalho independente. “Não tive ajuda financeira enquanto estava produzindo, para ter uma ideia ganhei o prêmio ano passado e ninguém me convidou para expor ou se interessou em me ajudar a produzir o fotolivro. Entendo que é um tema que muitas pessoas se afastam, não querem seu nome envolvido, contudo acredito também que é uma forma do racismo estrutural se manifestar. Isso não é novo, infelizmente, faz parte desse processo de marginalização da produção negra no Brasil”.
O trabalho conta com a curadoria, orelha e revisões de Wilson Smith, Gabi Coelho também participou da curadoria, Marcela Bonfim trabalhou o prefácio, Nego Júnior com a apresentação em uma das orelhas e Janny Araújo com a revisão final. As máscaras presentes no ensaio foram produzidas pelo artista plástico Gilbef. Para Roger é bastante simbólico lançar o trabalho no mês da consciência negra. “Contudo destaco que não podemos nos limitar à apreciação de projetos com temática negra apenas neste mês. Banzo é um, entre centenas de projetos espalhados pelo Brasil, que tratam de questões urgentes sobre o ser negro, essas criações precisam ocupar todos os espaços possíveis para que exista uma democratização dos debates propostos sobre a população negra brasileira”, diz ele. “Mas, sem dúvidas, é um momento histórico para mim enquanto fotoartista preto, criado nas periferias de Pernambuco e Alagoas. Poder lançar Banzo no mês da consciência negra é mais uma forma de dizer que entendo a importância da data e da luta para sua existência”.
“Nossos antepassados conseguiram quebrar seus grilhões, o que nos resta agora é não desistir do sonho que um dia eles tiveram, liberdade para ser quem somos, sem precisar ter medo de caminhar livremente”, desabafa. “Que nossa consciência seja plena e cotidiana. Por trás de um banzo, existe um ser humano que nunca desistiu de ser livre, mesmo que isso custe sua vida. Banzos sim, covardes nunca!”
Segundo ele, as ideias para o futuro incluem levar o trabalho para outros pontos do Brasil, levando além da arte das imagens, a promoção de debates e reflexões sobre o ser negro no Brasil, que acabam se configurando como inerentes às próprias fotografias. “Tento sempre fazer algo que não seja puramente estético, fotografia não é só sobre recorte, beleza e técnica. Para mim, fotografia é sobre descoberta”, comenta.
“Ainda não consigo fazer uma análise precisa sobre o impacto de Banzo na minha carreira, mas sei que ele é um divisor de águas, já que me projetou no cenário nacional. Tenho consciência que esse trabalho se for visto com cuidado e carinho, minha vida pode mudar, porque é um trabalho potente com bastante fôlego para correr o mundo. Torço para que ele voe”, conclui.






*Texto: Nicollas Serafim | Edição e revisão: Iranei Barreto | Créditos das imagens: Roger Silva
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Roger Silva | Fotógrafo
O fotolivro Banzo está disponível para aquisição com o artista.
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