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Desenhos e poemas de Ana Karina Luna convidam o espectador a refletir sobre o corpo

O Corpo é um Poema Fatiado”, primeira exposição individual da artista e escritora Ana Karina Luna no Brasil, provoca discussão sobre corpo, seus limites, prazeres, vulnerabilidades e transcendência. O processo inspirado cheio de simbolismos, ora revela aspectos da busca pessoal da artista e encontro com o próprio corpo, ora traz à tona discussões sobre como o corpo é percebido na civilização. A mostra segue aberta à visitação até 30 de maio no Café da Linda, dentro do Teatro Deodoro.

De acordo com a artista, a exposição nasceu por si, sem muito planejamento. Ela foi convidada inicialmente pela também escritora Arriete Vilela, que está retomando o projeto “Arriete Convida”, para apresentar seu livro “Saindo da Piscina de Éter”, lançado em 2017. Foi também provocada por Arriete a levar desenhos de apoio para a discussão. A proposta acabou inspirando a produção de uma série de 12 desenhos e dois poemas inéditos, que resultou na montagem da exposição. A mostra tem curadoria assinada pela própria artista com apoio da produtora cultural Weldja Miranda. “Pela primeira vez eu me apoderei de um tema meu e sem sofrimento. Foi um processo muito rico para mim porque eu não fiquei me podando, me permiti, fiquei muito à vontade com os meus desenhos e poemas”, comenta.

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Ana Karina Luna | Foto: Blog Aqui Acolá
BLOG AQUI ACOLA - O CORPO É UM POEMA FATIADO - ANA KARINA LUNA 1
Montagem da exposição “O Corpo é um Poema Fatiado”, no Café da Linda

Os desenhos representam o fechamento de uma fase da artista, influenciados por pelo menos três elementos: a vivência do seu livro “Saindo da Piscina de Éter” (que relata o ‘acordar do éter’ durante a volta dos EUA para o Brasil em 2014: com um mergulho profundo em águas Maceioenses de fascínios, afetos e sensações); pelas incursões na Gestalt Viva (que aborda o corpo/animal interno/instinto, e suas emoções, como caminhos de sanação), e pela experiência da subida do mergulho de 2014 (ou seja, a travessia de um deserto pessoal, e onde uma reconexão com o corpo é possível).

“E como todo deserto é fértil, quando o éter passa, o que está lá? As sensações do corpo. Mas antes destas, vem a integração, a trazida à tona do que em si mesmo se esconde. Os buracos de si. De fato, talvez os travessões nos poemas do livro sejam arautos mudos de buracos que não desejavam se esconder mais tanto. E o processo continua depois do livro,” revela.  “Em cada desenho, um a um, os travessões vão desencantando como abóbora de cinderela. E assim surge o corpo, sábio instinto, fornecedor de informações raras e caras. O corpo, buraco em si e de si. Vazio e cheio. Deserto e oásis. Céu e inferno. O corpo que é separado, e é junto. A civilização fez dele apenas partes, mas a cobra, o réptil que ainda carregamos em nós, sabe que o corpo é inteligentemente ligado em todas as suas partes. O corpo é poema, diz sempre mais do que apenas as partes. E finalmente, no ‘eu e o outro’: ali também está o corpo. Vínculo. E o replugue, cabeça-corpo, se inicia”, conclui.

Além da série de 12 desenhos intitulada “Ilustrações Gandaieiras do Corpo” e dos dois poemas, Luna acrescentou três gravuras – “Trava”, “Mucama-Flor” e “Buce-Coração” —, que dialogam com o projeto atual. “Cada peça, ilustração ou gravura, fala de algum conceito, de algo importante. Essas ilustrações estão muito próximas do meu coração. Elas são cheias de informações sobre o que estou intencionando comunicar”, explica.

Trava| Poema de Ana Karina Luna
Trava| Gravura de Ana Karina Luna

“Trava”, gravura. Corpo de mulher, sem cabeça, sem pernas, sem braços. A mulher que é encorajada, desde pequena, a não pensar, a não ir atrás dos próprios desejos (e nem os conhece), a não pegar o mundo com as mãos e moldá-lo como queira. “Trava” mostra como o corpo da mulher interessou ao patriarcado: dar leite, dar crias, dar prazer, servir aos outros, um corpo-objeto, um corpo imanente. Mas num patriarcado que começa a cair agora, a mulher começa a servir a si, e só assim ela conseguirá realmente estar no mundo e contribuir, e dar de verdade.

Mucama-flor| Poema de Ana Karina Luna
Mucama-flor| Gravura de Ana Karina Luna
blog aqui acola - buce-coracao- Ana Karina Luna
Buce-coração| Gravura de Ana Karina Luna

A série de desenhos é em carvão e pastel óleo. O vermelho, simbolizando a paixão/força vital/kundalini, e o preto simbolizando a dor, predominam nas obras, entre outras coisas comunicando que só pode ir fundo no prazer quem consegue ir fundo na dor, e vice-versa, sustentar essas duas emoções que são inatas no ser humano. Quem está vivo sente: “Muito prazer, sinto. Muita dor. Também.”, como diz o poema “O Corpo”. Luna explica que a opção minimalista das cores sempre —fez parte do seu repertório desde o começo, porque permite um maior aprofundamento, visto que uma paleta de cores mais reduzida permite trabalhar outros aspectos visuais, como padronagens ou texturas, como acontece com o uso do carvão (preto) nos desenhos dessa série.

Sobre os dois poemas, Karina revela que o primeiro veio inteiro, quase como um ‘manifesto do corpo’, atrelado ao primeiro desenho — desenho e poema foram então intitulados “O Corpo”. E que o segundo poema surgiu aos pedaços, e seguindo sua própria ordem, concatenando com o surgimento dos outros desenhos da série, e que no momento da montagem da exposição ficou claro que estes versos eram um poema só que veio fatiado, e que ganhou nova ordem dada pela artista formando o poema “O Corpo é um Poema Fatiado”. Durante o vernissage houve uma vivência em que este poema foi novamente fatiado e os presentes tiraram as ‘fatias’ de um saquinho, como um oráculo poético, e assim o poema foi (mais uma vez) reordenado pelos visitantes e as ‘fatias’ anexadas à parede, embaixo de cada ilustração, permanecendo ainda esta arrumação na exposição. O poema em partes faz uma analogia às partes do corpo, que se falam e se poetizam de maneiras infinitas, como mostram muitos dos desenhos.

A artista planeja realizar outra vivência até o final da exposição, aberta ao público e com alguns convidados. E adianta que possivelmente “O Corpo é um Poema Fatiado” terá uma itinerância ocupando outros espaços na cidade, instigando mais bate-papos sobre o corpo.

blog aqui acola - ela-escolhe- Ana Karina Luna

“Ela Escolhe”, ilustração. Fala da recém-descoberta de que é o óvulo que escolhe o espermatozoide, ao contrário do que se pensava (que um espermatozoide acidentalmente entrava num óvulo passivo e alheado do mundo). Ao redor do óvulo há uma camada que, ao ser tocada por um sem número de espermatozoides, permite ao óvulo estabelecer conexão com eles, testando-os e decidindo qual a melhor opção. Então, a mulher escolhe? Mas a lavagem tem sido em outra direção. Descobre-se que a mulher tem poder de escolha, e isso também se repete no reino animal, com o qual temos conexão direta ainda, através do poder do próprio instinto, do nosso cérebro reptiliano. Ainda somos animais. Então, o instinto é inteligente? E não mero fantoche da mente? O instinto é mais antigo do que a mente e guarda sabedorias das quais temos nos desconectado. A liberação da mulher, e do feminino, em todos, passa pelo corpo. Pela recuperação do instinto, que não pode ser moldado, apenas amordaçado, o que leva à também liberação das emoções. Pois sentir também é sano. Sentir tanto o corpo quanto as emoções nos liberta.

blog aqui acola - pe-vulva- Ana Karina Luna

“Pé-Vulva”, ilustração. O corpo em sua inteligência antiga, se conecta de mais jeitos que imaginamos. O que uma vulva e um pé têm a ver? Vulva, lugar de desejos, da força vital, nos informa das necessidades prementes. Tanto lugar de nascimento da vida como do prazer. O corpo da mulher se mistura entre o profano e a sacralidade, os dois juntos nos mesmos lugares. O seio que alimenta, é o seio que traz prazer. Mireia Darder em seu livro “Nacidas para el Placer” recomenda que as mulheres sigam os próprios desejos, como a direção mais acertada a ir. As emoções e o instinto como setas na direção certa. “Pé-Vulva” atraca o prazer à direção a ir. O prazer e a emoção como sanação e integração do ser. Não só nas mulheres, mas também nos homens: a des-repressão como solução. Aceitar os desejos do corpo e sua sensorialidade.

Além desta exposição, a alagoana já realizou outras duas mostras individuais, sempre com poemas e desenhos, em Seattle (EUA), durante o período que residiu lá. Desde que voltou para Maceió tem participado do Salão Nacional de Arte Contemporânea de Alagoas (SACA), do Salão de Artes da Marinha e da Mostra Cultural do Instituto da Visão. Também vem  atuando no mercado literário com lançamento de livro, palestras e oficinas.


Texto : Iranei Barreto | Vídeo: Ana Karina Luna |  DESENHO DA CAPA: Pele | Redes sociais de Ana Karina Luna: facebook.com/anakarina  | IG = @anakarinalua

Veja “O Corpo é um poema fatiado” online!


Exposição O Corpo é um Poema Fatiado | Período: 29 de Março até 15 de Maio 2019 | Onde: Café da Linda, Maceió, AL – Dentro do Teatro Deodoro, quando houver espetáculo: Ter a Sex 18h -21h / Sab e Dom 17h – 21h | As obras estão disponíveis para venda!

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