Quando o espírito artístico tomou a mão de Ricardo Maia, ele fez questão de não largar-lhe nunca mais. Hoje o crítico de arte, pesquisador conceituado e ainda desenhista e pintor revolucionário dividem-se no mesmo homem, alguns com uma fatia um pouco maior do que o outro, mas todos com o mesmo espírito e ideal filosófico de dedicar sua vida à arte e desfrutá-la inteiramente, em todos os sentidos.
O destino fez Ricardo entrar em contato com a arte através do simples fato de abrir as portas de casa. Morador da Rua Barão de Maceió, ele tinha como vizinho o suntuoso Teatro Deodoro, frequentado desde criança. O bairro também tinha moradores ilustres como a pintora Alzira Américo, que o recebia diariamente em seu ateliê, e a pianista Selma Loureiro. Djavan também perambulava por ali, além do poeta Marcos de Farias Costa.
“Então havia teatro, desenho, pintura e música, e eu me envolvia com tudo isso. Estudava piano, pintava meus quadros e mesmo criança eu ia atrás dessas coisas”, relembra. “Acho que esse clima em que eu vivia injetou essa sensibilidade artística na minha alma e me impregnou até hoje”.
A arte a sede de conhecimento só cresciam com o passar dos anos, assim como sua criatividade e vontade de produzir. Escrevia, tocava e pintava, e a partir dos anos 1980 mergulhou de cabeça, coração e alma nas artes plásticas. “Fiz um curso de Desenho, Pintura e Criatividade e me inteirei de verdade na historicidade da arte em Alagoas e me dei conta de como estávamos atrasados.”
Junto com outros artistas como Paulo Caldas, Rosivaldo Reis, Marta Araújo, Maria Amélia Vieira, começou uma série de reuniões, discussões e debates quanto ao presente e ao futuro das artes plásticas alagoanas. “Daí nasceu o Grupo Vivarte. Dentro daquele cenário provinciano, começamos a nos reunir e criamos um movimento de libertação dos cânones academicistas que a gente chamava de Chalitismo (referência à figura quase monolítica de Pierre Chalita na época, enquanto pintor e colecionador), que tinha um trabalho realmente muito importante e genial, mas era muito neoclássico, que estava muito atrasado para a época”.
Ele classifica o movimento como um modernismo tipicamente alagoano, fruto de uma junção entra a reação à censura que havia nos últimos anos da ditadura com o desejo de modernidade estética na arte. Apesar da dissolução do grupo (que durou cerca de um ano apenas), o espírito de Vivarte (que ele chama de Vivartismo) continuou presente em sua vida.
Desde então, Ricardo Maia passou a ser o porta-voz histórico desse momento importantíssimo da arte em Alagoas. Por consequência, deixou de lado a vida intensa da pintura e começou a se dedicar inteiramente à pesquisa. Formou-se em Psicologia e atuou em diversos grupos de estudo dentro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e fez do Vivarte pano de fundo para sua tese de mestrado na PUC em São Paulo, além de se tornar fonte para outros pesquisadores.

Em 2006, organizou o livro “Testemunhos do Vivartismo: escritos da intervenção cultural na Maceió-artística da pintura (1992-2004)”, com textos de Lincoln Villas Boas publicados nos jornais do estado durante esse período. São pequenos relatos, porém históricos e significativos, para que o leitor entenda as influências e repercussões do Vivarte na arte alagoana.
Já o livro “Maceyorkinos” ganhou vida em 2013, e segundo ele, trata-se de uma parte de um projeto maior que pretende lançar no futuro, chamado “Hora H”. O livro contém ensaios e críticas culturais à Maceió artística “glocalizada”, que seria a Maceió não mais provinciana dos anos 1980, mas ainda não global e inserida no cenário artístico internacional.
Seu ritmo incessante de ideias, pensamentos e reflexões acerca dos movimentos artísticos em Alagoas já lhe renderam outros livros ainda não lançados, que ele pretende dar vazão na medida em que forem surgindo oportunidades.
Toda essa bagagem de produção artística, envolvimento e movimento intelectual, além da pesquisa acadêmica fizeram de Ricardo Maia uma referência no conhecimento de arte em Maceió. Começou a escrever ensaios e artigos para os jornais e graças a seu grande conhecimento e trato com as palavras fizeram-no um dos mais conceituados críticos de arte da cidade.
Para o futuro, Ricardo pretende continuar escrevendo, visitar galerias, exposições, trocar ideias e entrar em contato com os artistas, e, quem sabe, um dia voltar à árdua lida de pintor. A viagem pelo colossal oceano das artes continua, e Ricardo é marinheiro experiente e sabe que a vida é vasta demais para ancorar em um só porto.
*Texto de Nicollas Serafim | Fotografias: Acervo pessoal de Ricardo Maia
Meus parabéns ao jornalismo cultural do Aqui Acolá, atualmente sob a direção de Iranei Barreto, que vem produzindo perfis culturais como esse meu. Fiquei muito contente com o resultado da entrevista que concedi ao excelente Nicolas Serafim. Espero que tais perfis estimulem o interesse por pesquisas acadêmicas que resgatem a trajetória de indivíduos e grupos criativos alagoanos. E isso como uma forma autociente, profissional e micropolítica de fixar e manter suas memórias na história da arte em Alagoas. Uma história, por sinal, muito pouco lembrada e estudada ainda hoje.