Nosso segundo cantor da sessão “Clássicos do Brega” é Cauby Peixoto. No entanto, o termo “brega” no sentido inicial, que designava um tipo de música romântica, com arranjo musical sem grandes elaborações não cabe na obra de Cauby, que tem uma qualidade vocal inquestionável, interpretações memoráveis e uma elegância pouco vista, e que não se perdeu com o tempo.
O que motivou essa nossa provocação foi um texto “O Google, minha amiga Joana”, de Zeca Baleiro publicado no livro “ A Rede Idiota e Outros Textos”, que trata justamente do equivoco de classificar a obra de Cauby como brega. Além, é claro, do desejo de mergulhar um pouco na trajetória deste enigmático artista. Abaixo trecho do texto de Zeca:
… um dos primeiros resultados da busca diz que “o cantor brega Cauby Peixoto se apresentará etc., etc., etc.” … Bom, Cauby pode ser muita coisa, menos “brega”, a não ser que os cantores veteranos sejam automaticamente alçados à categoria de brega só porque envelheceram. O homem foi (e é) um ícone de elegância, tanto vocal quanto pessoal – seu caprichado figurino é uma de suas marcas -, e, se bem me lembro, o preconceituoso rótulo de brega significa exatamente o contrário disso – chulo, vulgar, subcultural, popularesco.
Cauby é um daqueles artistas que não cabe rótulos. Estreou nos palcos aos 16 anos de idade e desde então não parou mais. Em fevereiro deste ano, aos 84 anos, foi internado para check-up, sem previsão de alta. Depois de três semanas, foi liberado da convalescênça e logo que saiu anunciou com a mesma elegância, entusiasmo e extravagância de sempre, que iria lançar ainda este ano, novo CD com regravações do repertório de Nat King Cole.
Ronda
De noite
Eu rondo a cidade
A lhe procurar
Sem lhe encontrar
No meio de olhares espios
E em todos os bares
Você não está
Elvis Brasileiro
O cantor de Niterói é conhecido no meio artístico como professor. Citado nas revistas Time and Life como “O Elvis Presley brasileiro”, Cauby Peixoto foi o primeiro cantor brasileiro a gravar uma canção de rock em português – “Rock and Roll em Copacabana”, composição de Miguel Gustavo, lançada em 1957.
Versátil, Cauby já gravou desde clássicos românticos nacionais e internacionais até versões de tangos e rumbas. Nos anos 1950, chegou a ter suas roupas rasgadas por fãs, tamanha era sua fama. Era o grande nome do rádio, alcançando mais popularidade que Orlando Silva, o cantor das multidões.
As meninas eram fãs. Pegavam, rasgavam, queriam namorar. Uma vez encontrei uma nua debaixo da cama,” disse Cauby em entrevista ao Fantástico da Rede Globo.
Perfídia
Amei
Como ninguém te amou, querida
De ti o menor gesto adorei
Esquecido da própria vida
Perfidia,
Mandaste em troca e eu não esqueci
Das rosas, das orquídeas, das violetas
Que eu dava a ti
No entanto, para tristeza das fãs mais assanhadas, Cauby é Gay. Demorou a sair do armário, mas quando o fez se sentiu profundamente aliviado. O cantor falou sobre o assunto durante gravações do documentário “Cauby – Começaria tudo outra vez“, do diretor Nelson Hoineff, que estreou no último dia 28 deste mês.
“Eu era um garoto quando ia para os morros transar com os veados. Eu também andava com eles. Transar (assim) era uma coisa natural. Depois, eu comecei a ter namoradas,” revela o interprete de “Conceição”.
Brigas
Veja só, que tolice nós dois
brigarmos tanto assim
se depois vamos nós a sorrir
trocar de bem, enfim.
Para que maltratarmos o a mor
o amor não se maltrata não
Ainda na década de 50, teve uma breve carreira internacional. No exterior, se apresentava com outro nome de Ron Coby. O cantor foi mudando de estilo, mas sempre teve esse jeito exuberante. Os penteados e figurinos viraram uma marca.
“Eu comecei assim e continuo assim, mantendo o visual o melhor possível. É um cuidado especial, que a gente tem que ter. A gente cria um estilo e deve manter esse estilo para sempre, se apresentar desse jeito”, explicou durante entrevista.
Ao longo de sua carreira, recebeu homenagens de muitos compositores que fizeram músicas especialmente para ele cantar, dentre eles: Benito Di Paula Joanna Tom Jobim, Jorge Benjor, Roberto e Erasmo Carlos, Eduardo Dusek, Caetano Veloso, Carlos Dafé e João Roberto Kelly.
Alguém Me Disse
Alguém me disse que tu andas novamente
De novo amor, nova paixão, toda com tente
Conheço bem tuas promessas
Outras ouvi iguais a essas
Este teu jeito de enganar conheço bem
Seus grandes sucessos continuam a ser: “Conceição“, de Jair Amorim e Dunga; “Blue gardenia“, de B. Russel e L. Lee, com versão de Antônio Carlos; “A pérola e o rubi” (The ruby and the Florence e Augusto Mesquita, “Nono mandamento“, de René Bittencourt e Raul Sampaio; “Tarde fria“, pearl), de Jay Livingston e R. Evans, com versão de Haroldo Barbosa; “Molambo” de Jayme de Angelo Apolônio e Henrique Lobo, “Ninguém é de ninguém“, de Umberto Silva e Toso Gomes, com versão de Luiz Mergulhão, “Bastidores” de Chico Buarque e “New York, New York“, de John Kander e Fred Ebb.
Negue
Negue o seu amor, o seu carinho
diga que você já me esqueceu
pise machucando com jeitinho
esse coração que ainda é seu
diga que meu pranto é covardia
Documentário – Cauby – Começaria tudo outra vez
Lançado no último dia 28 deste mês, o documentário “Cauby – Começaria tudo outra vez”, do diretor Nelson Hoineff, parece não ter agradado muito aos críticos de plantão. Cauby, no entanto, viu aplaudiu e comemorou.
“É um reconhecimento da minha trajetória profissional. Os jovens poderão saber um pouquinho mais deste modesto cantor e os mais maduros irão revivê-la”, disse em entrevista ao G1.
O filme destaca períodos específicos de sua trajetória, como a mudança para os EUA, nos anos 1950, e a contraditória parceria com o empresário Edson Colaço Veras, Di Veras.
O documentário traz também trechos de shows de Cauby ao longo de seus 60 anos de carreira, além de entrevistas com ele e com amigos e pesquisadores de sua vida, como o biógrafo Rodrigo Faour.